Visão | No Alto Tâmega, as tabernas organizaram-se em rede para servir o melhor da região à mesa

No Alto Tâmega, as tabernas organizaram-se em rede para servir o melhor da região à mesa

Casa de Padornelos, em Montalegre. Foto: Humberto Mouco

Nestas mesas, os saberes e os sabores da cozinha popular misturam-se com produtos da região, paisagens deslumbrantes e gente generosa. Bem-vindos à Rede de Tabernas do Alto Tâmega

Começamos o passeio pela pequena aldeia de Parada do Outeiro, no Parque Nacional da Peneda-Gerês, para conhecer a Taberna Ti Ana da Eira. Ali, onde a estrada termina, numa casa de pedra com interiores modernos e confortáveis, cozinha-se como no tempo da tia Ana que dá nome à casa. “Passávamos horas a conversar à lareira”, conta Bruno, um dos proprietários. Foi por causa da matriarca e da paixão pela aldeia onde nasceu a sua mãe, Lúcia, que Bruno decidiu abrir “esta casa humilde” inserida na Rede de Tabernas do Alto Tâmega. É com Lúcia que conversamos na cozinha, enquanto termina o cozido, um dos pratos do dia, servidos durante o tempo mais frio. “É tudo feito com produtos da região”, começa por dizer sobre a origem dos ingredientes desta iguaria que Lúcia prepara, desde sempre, para os seus, só que “aqui é como se fosse para uma família maior”. Além do cabrito, há vitela grelhada com batatas a murro e legumes, entre outros pratos que podem ser saboreados apenas aos fins de semana. Na hora de fazer a reserva, fica a dica: peça a mesa perto da janela, uma espécie de miradouro que revela a paisagem envolvente.

Casa do Pedro, em Vilarinho Seco, no concelho de Boticas. Foto: Humberto Mouco

Criada em 2004, mas inativa nos últimos anos, a Rede de Tabernas do Alto Tâmega – financiada pelo fundo de valorização do interior do Turismo de Portugal e relançada pela agência Mesa, especializada em cultura gastronómica, apresentou neste ano uma nova identidade. Guardar a memória da gastronomia popular, recriada por cozinheiras e cozinheiros de mão-cheia, e preservar os produtos certificados da terra, como o azeite, as carnes e as batatas, são os principais objetivos deste roteiro gastronómico por 14 tabernas, que se faz ao sabor da cozinha regional, à conversa à volta da lareira e da mesa, acompanhado por paisagens deslumbrantes. A rota, apadrinhada pelo chefe de cozinha Vítor Adão, nascido e criado em Chaves, estende-se por seis concelhos: Montalegre, Chaves, Boticas, Valpaços, Vila Pouca de Aguiar e Ribeira de Pena. “Ser curador desta rede permite-me fazer a ligação entre o melhor do mundo rural e os produtos incríveis que dele provêm, mostrando–os ao resto do País”, diz o chefe do restaurante Plano, em Lisboa. “Também implica viajar frequentemente para esta região, o que, apesar de complicar o meu horário já por si caótico, transmite-me uma paz que não encontro em mais lado nenhum.”

Na Casa do Pedro, a boa carne e os bons enchidos fazem parte da ementa, assente no receituário regional. Foto: Humberto Mouco

No tempo mais frio, são os fumeiros que perfumam as casas onde se produzem, e bem se comem, os enchidos: alheira, chouriça de carne, chouriço de abóbora, presunto, entre outras variedades. Também a carne de porco bísaro, raça típica da região de Trás-os-Montes, se apresenta em diversos restaurantes desta zona. “Queríamos criar um elemento que nos ligasse enquanto território”, refere António Montalvão Machado, responsável pela Associação de Desenvolvimento da Região do Alto Tâmega (ADRAT). “Temos tudo aqui, as pessoas, os produtos, a paisagem, a água, mas precisávamos de uma estratégia, e com esta rede conseguimos agregar tudo. A ideia é incluir mais tabernas”, adianta.

Telha de bacalhau, restaurante Forno de Jales, Vila Pouca de Aguiar; Lúcia é a cozinheira que prepara os pratos na Taberna da Ti Ana da Eira, Montalegre; Casa de Pedronelos, Montalegre (da esquerda para a direita). Fotos: Humberto Mouco

Um copo de vinho e um sibinho
A seis quilómetros de Montalegre, falamos com Ricardo Moura, proprietário da Casa de Padornelos e um dos fundadores da Rota das Tabernas do Alto Tâmega. “Acho que sempre tive uma taberna, apesar de não ser oficial. Costumo receber os meus amigos com um copo de vinho e um petisco”, conta. A taberna funciona na sua casa particular, com salas preparadas para as refeições, onde não faltam mesas para sentar quem quiser parar para comer. “Porco bísaro, galinhas, legumes – produzo e cultivo tudo o que leva um bom cozido”, garante Ricardo. Filho de agricultores e atual presidente da Junta de Freguesia de Padornelos, é ele quem trata das reservas e orienta a sala, enquanto a mulher, Aldina, comanda a cozinha. “Ali dentro, quem manda é ela. Eu apenas provo antes de ir para a mesa”, diz em tom de brincadeira.

No centro da vila de Montalegre, abriu a Taverna do Mercado, um lugar ideal para se beber um copo de vinho e provar um sibinho – termo que, nesta zona, significa um bocadinho. Tem tábuas de enchidos e de queijos, entre outros mimos da ementa especializada em petiscos. “Não queremos sair geograficamente dos produtos de Trás-os-Montes”, esclarecem os filhos da avó Chiquinha – que dá nome à Casa Avó Chiquinha, um turismo rural ali perto –, a verdadeira cozinheira de mão-cheia da família e a responsável pela produção dos fumeiros servidos nesta nova casa.

Taberna da Ti Ana da Eira, em Montalegre. Foto: Humberto Mouco

Fora dos circuitos habituais, na aldeia de Vilarinho Seco, a caminho de Boticas, a Casa do Pedro parece ser, à primeira vista, um tesouro bem escondido. No entanto, a contar com os carros estacionados à porta e com o número de pessoas sentadas à mesa, percebe-se que já foi descoberto. Pedro conseguiu transformar uma parte da sua casa de família num restaurante acolhedor. Nesta espécie de templo para apreciadores da boa carne e dos bons enchidos, com uma ementa que aposta no receituário regional e no produto da época, chegam-nos à mesa diferentes enchidos, que se podem comer com pão de centeio, e, para prato principal, o cozido barrosão. Neste passeio, ao sabor da sua cozinha genuína, guarde-se espaço para as rabanadas com mel do Barroso e para a aletria. Uma delícia, garantimos.