Por enquanto, não podemos deambular pelo olival nem visitar o lagar, no Alentejo, mas avistamos algumas oliveiras pujantes, imediatamente atrás do vidro da sala em que Ana Carrilho se encontra. Esta oleóloga, palavra estranhamente utilizada para designar uma especialista em azeites, é a cabeça de cartaz de um convite que recebemos no final de abril, sinal dos estranhos tempos em que vivemos: Prova online de azeites Esporão, na plataforma Teams.
Um dia antes, recebemos em casa uma cesta com quatro tipos de azeite (Galega, Virgem Extra, Biológico, Seleção), meia dúzia de morangos, umas folhas de agrião, tomate, chocolate em pó, amêndoas laminadas, e mais uma série de ingredientes que depois descobri servirem para dar corpo a uma receita sugerida (bolo de limão). E ainda quatro copos de prova, em azul escuro para que a cor não nos influencie, quatro vidros de relógio para os tapar e concentrar os aromas, e uma peça para distribuir os azeites e se molhar o pão da Gleba que também vinha na encomenda.
No dia e hora marcada lá estávamos nós, em frente ao computador, com os ingredientes todos a postos, e apareceu a entusiasta Ana Carrilho, no Esporão desde que se decidiu apostar em trazer o melhor do sumo da azeitona, pronta para uma aula sobre azeites, apesar de os alunos terem diferentes níveis de conhecimentos.
Antes de se provar, deve aquecer-se o copo na mão para ir largando aroma. É o nariz que vai dar as primeiras notas do azeite monovarietal, de galega, uma variedade portuguesa com mais de 100 anos, mas que tem sido algo desprezada pelo seu típico sabor adocicado. “É mais precoce, deve apanhar-se em outubro, novembro”, explica a especialista. E cheira a frutos secos. Na boca, nota Ana Carrilho, é mais espesso, amanteigado. E tosse-se quando o líquido passa pela garganta.
Ficamos a saber que este é o mais adequado para fazer bolos, por exemplo, ou regar os morangos para nos sentirmos mais saciados ao comê-los. Mas já lá vamos.
Aquele a que chamam Virgem Extra (são todos, na verdade) é a entrada de gama, aquele que sai à razão de 700 mil litros por ano. “Trata-se do mais versátil. Se só podermos ter um na cozinha, que seja este, que serve para tudo.” Tem aroma delicado, notas verdes, herbáceas. Na boca, é mais fluido do que o anterior, mas também se sentem os frutos secos, uma característica muito portuguesa.
Deveríamos limpar o palato com rodelas de maçã verde ou com iogurte branco. Ou cuspir, como nas provas de vinho e de azeite. Porém, na ausência destes elementos, bebemos água e prosseguimos.
Uma riqueza subvalorizada
O azeite biológico é como se fosse um filho, para Ana Carrilho. Nasceu em 2014 e foi o primeiro produto bio da herdade. E ainda por cima, o olival de mais de 80 hectares demorou o dobro ou o triplo do tempo a crescer e não se sabia no que ia dar. “Só foi possível ter este azeite, porque aqui damos tempo para as coisas acontecerem. Tratamos esta cultura com os mesmos preceitos do vinho”, nota.
Este é a variedade mais terroir, em que se sente muito do solo e do clima. Talvez por isso, tenha complexidade aromática a “relva, a campo, a giesta em flor”. Depois, quando se prova, ele fica na boca, deixa memória, coisa mais típica dos azeites de Trás-os-Montes.
Para o final, deixa-se o Seleção, que este ano só leva um blend de Cobrançosa e isso fez com que se tornasse harmonioso, com menos notas de frutos secos. E então regamos os agriões e o tomate com este azeite e mastigamos de boca fechada, que há mais gente a ver isto. Logo de seguida, molhamos o pão e saboreamos as diferentes características, mergulhamos os morangos num creme de chocolate e azeite. E ficamos a saber que sempre que uma receita pede óleo ou manteiga podemos substituí-los por azeite e ficarão mais saudáveis e deliciosas. “Há uns anos, perdeu-se a tradição de cozinhar e fritar com azeite, mas nós gostávamos de reverter isso”, lamenta Ana Carrilho.
Esta engenheira agrónoma, há 21 anos especializada em azeites, e desde 2013 na Herdade do Esporão, queixa-se de, em Portugal, não se dar o devido valor ao néctar que sai da azeitona. Ainda há muito para desbravar nesta área, apesar de o panorama estar a mudar aos poucos, até nas grandes superfícies, onde há uns anos só havia uma ou duas marcas de azeite à venda. Mas Ana Carrilho sonha com o dia em que trataremos estes seus filhos como em Espanha, Itália e até no Brasil.