Não queríamos chegar ao fim de 2019 sem passar pela Adega da Tia Matilde e ver em ação o senhor Emílio Andrade no ano em que foi distinguido pelos seus pares da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), com o Prémio Carreira. Que extraordinária carreira ele tem! Conta 98 anos – não tarda a acrescentar-lhes mais um – e começou a trabalhar aos 12, na Taberna do Emílio, que era a tasca de bairro dos pais, Emílio e Matilde; depois, juntou-se-lhes Isabel, sua mulher, já falecida, que era excecionalmente dotada para a cozinha tradicional portuguesa e deu um contributo decisivo para transformar a tasca em restaurante, sob a designação de Adega Tia Matilde. Teve, por fim, a colaboração das filhas Isabel e Matilde, que gerem a casa com a eficiência e a simpatia de sempre. O senhor Emílio continua a marcar presença diária e atenta no restaurante: a ver se o cliente é bem atendido, se está confortável, se sai satisfeito.
Vamos a meio da semana, à hora do almoço, e não há um lugar vago (exceto na “mesa do Eusébio”, inacessível aos mortais). Vemos passar a caminho das mesas petiscos e pratos tradicionais portugueses muito apetecíveis. Não admira: são feitos por mãos femininas experientes, cujo labor podemos observar na cozinha. Dá gosto ver e, mais ainda, saborear essas iguarias que compõem uma ementa extensa, genuinamente portuguesa.
Nas entradas, hesitamos entre pataniscas, pastéis de bacalhau e peixinhos da horta, todos com frituras e sabores bem calibrados; carapaus de escabeche, salada fresca, salada de polvo, amêijoas à Bulhão Pato, camarão-tigre grelhado, presunto e lombo pata negra de bolota, um e outro a desafiarem a gula. Nos pratos de peixe destacam-se, por um lado, os sazonais: lampreia em arroz, sempre das primeiras a chegar, mal entra janeiro, e das melhores, originária do Minho, e sável frito com açorda de ovas, lá para fevereiro ou março. Por outro lado, alguns pratos emblemáticos: caldeirada à Tia Matilde (tamboril, safio, choco e eirós); canja de garoupa com amêijoas e espinafres, a posta de peixe e os bivalves num caldo rico e perfumado; garoupa no tacho com caldo de massinha, a que o pimento dá um toque gostoso; bacalhau à Isabel, do tipo à Brás, embora mais desfeito e cremoso, com a batata em quadradinhos; pargo assado no forno (só por encomenda); cabeça de peixe (garoupa, em regra) grelhada com azeite e alho; e peixe do dia para grelhar, entre outros.
Quanto a carnes, é imperioso lembrar: arroz de frango à Tia Matilde, porventura uma das melhores cabidelas de Lisboa e arredores; cabrito assado no forno, prato diário; coelho no forno, que satisfaz duas pessoas; pato corado com arroz, muito guloso; perdiz estufada com puré de castanhas e batata-palha, prato de caça sazonal.
Muito boa doçaria, de que são exemplos a tarte folhada de maçã, com a massa folhada estaladiça e o recheio suave; o arroz-doce, de aspeto e sabor caseiros; e a montanha russa, com as natas tocadas pelo calor do forno sob um delicioso creme de ovos. Garrafeira abrangente com boa relação qualidade/preço. Serviço muito eficiente e simpático.
Adega Tia Matilde > R. da Beneficência, 77, Lisboa > T. 21 797 2172 > seg-sex 12h-16h30, 19h30-23h, sáb 12h-16h30 > €30 (preço médio)