No Pestana Palácio do Freixo, no Porto, o outono vai-se instalando de mansinho, quase sem se dar por ele, colorindo de castanho e amarelo as folhas dos plátanos e abraçando o Douro que corre com toda a calma. A visita podia terminar aqui, já teria justificado a viagem, mas ainda há muito para ver e saborear. Sentamo-nos à mesa do restaurante Palatium para experimentar o menu de degustação inspirado no percurso artístico de Júlio Resende, celebrando o centenário do nascimento do pintor, e que aqui estará disponível durante um ano, para quem queira embarcar nesta aventura gastronómica.
A que sabe este expressionismo lírico? A um harmonioso jogo de texturas, cores e sabores, composto por linguado, perdiz, robalo, coelho, cogumelos, abóbora, amores-perfeitos, salicornia (a alga do mar) e pétalas de cravo. Depois de outros menus inspirados no cinema e na música, o chefe de cozinha Tony Salgado, 34 anos, no Palácio do Freixo desde 2015, envolve toda a cozinha na arte de Júlio Resende. “A equipa já reconhece as diferentes fases das obras do mestre”, comenta. Fica assim definido o sentido único deste menu de degustação composto por sete quadros “acomodados” em sete pratos de cores vivas e formas geométricas, sob um fundo branco. É uma experiência gastronómica com um cunho expressionista, envolvendo várias décadas. “A ideia não foi recriar os quadros, mas interpretar algumas obras do mestre num prato”, esclarece o chefe.
A refeição começa com linguado, couve-flor e salicornia, acompanhado por um vinho verde Loureiro, de 2016, da Adega Ponte de Lima, numa interpretação inspirada na obra Miragaia, de 1974. São as cores e a relação da figura humana com os espaços a que está ligada que podemos ver refletidas no prato. Enquanto no copo servem um verde Prova Régia arinto, de 2016, da Quinta da Romeira, com toque frutado e aromas de flores, aproxima-se o segundo capitulo. É uma composição de perdiz em escabeche com cogumelos Paris e Portobello pontuada por um amor-perfeito para harmonizar em beleza o equilíbrio de formas em Homem e Pássaro, de 1978. “Pode ser um quadro na totalidade ou parte dele a estar no prato. Vamos buscar um pouco as tonalidades, as formas e cores”, explica Tony Salgado.
Seguimos para a única ligação de terra e mar, num prato de robalo com berbigão, puré de abóbora, espuma de coentros e pétalas de cravo. Uma analogia com uma das cenas representada no painel Os Pescadores, de 1965. Mais evidente ou concetual, cada prato é um convite a descobrir a ligação com o desenho. O regresso à carne faz-se com o tinto alentejano Herdade de Grous, de 2015, marcado por taninos fortes, mas é a cor luminosa e clara, o esplendor das figuras e o equilíbrio da composição que nos fazem viajar rumo a Goa, de 1996. A inspiração oriental liga-se a um prato de maronesa com maionese fumada, batata, tomate, acelga e cogumelos. A fechar os pratos de carne voltamos à caça que nos vai levar até à representação do quadro Candomble, de 2007, feita com coelho, cozinhado a baixa temperatura, com alheira, feijão velhaco e salsifi.
A refeição já vai longa, quando chega a sobremesa em dose dupla. Não resistimos, no entanto, à Maçã Porta da Loja, assim se chama este tatin de maçã floribunda alinhado com gelado de baunilha e tamarilho na interpretação de Grupo, de 1954. Só com a ajuda do vinho do Porto da Niepoort, o LBV de 2012, que corta qualquer possível doçura a mais do prato anterior, conseguimos ainda provar o aromas Abade Priscos que faz desfilar o tradicional pudim com o mesmo nome conjugado com crocante de presunto, gelado e sponge cake de canela que nos conduz a Meninos Pescadores, de 1999, o último quadro.
Na primavera, é certo que Tony Salgado regressará à época de Goa ou do Brasil do mestre. Para isso deverá contar com um chefe convidado. Outro desafio será pôr no prato o Ribeira Negra, o célebre painel de azulejo que pode ser admirado junto à entrada no tabuleiro inferior da Ponte Luís I. E estes quadros são para comer? Para Tony Salgado, “é uma forma de ligar a arte à comida”. E que bem ficam juntas.
Palatium > Pestana Palácio do Freixo > Estrada Nacional 108, Porto > T. 22 531 1000 > seg-dom 19h30-22h30 > €80 Jantar + €35 harmonização vinícola (opcional) > reserva obrigatória