O chefe Tiago Bonito, 30 anos, gosta de lembrar as suas raízes e as recordações que tem da infância passada em Carapinheira do Campo, freguesia de Montemor-o-Velho, a meio caminho entre Coimbra e a Figueira da Foz. E como poderia esquecer esses tempos? Foi nessa altura que começou a cozinhar, por força da ida do pai e da mãe para o campo – de manhã cedo até à noite. Era ele quem fazia as refeições em casa e terão sido, com certeza, esses tempos, a traçar-lhe o caminho que o levaram até à Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra e ao percurso que hoje lhe conhecemos.
Mas o que é que o passado do chefe – que gere a cozinha do Largo do Paço desde maio, depois de ter passado pelo Lisboeta, na Pousada de Lisboa, ou Vilalara Thalassa Resort, no Algarve – tem a ver com a nova carta de outono/inverno acabada de lançar no restaurante com uma Estrela Michelin, situado em Amarante? Tem tudo. O menu mais completo – com dez pratos – chama-se Identidade e, conta-nos o chefe eleito Cozinheiro do Ano em 2011, resume a cozinha portuguesa e as suas “memórias”. Nas novas criações estão os seus “dez mandamentos”, como gosta de chamar às dez palavras-chave que lhe regem a vida: criatividade, memórias, sabor, tradição, evolução, produto, inspiração, conhecimento, sabor e experiência.
E tudo isso nos chega ao palato e ao cérebro. Desde os mimos – delicadíssimos – postos na mesa, como os refrescantes quadrados de gelatina de dióspiro, mel e gengibre, ao Porto tónico com raspas de lima e concuate ou à bolacha de amêndoa com recheio de banana e queijo terrincho velho.
As influências do Atlântico ou da infância passada próximo da praia da Figueira da Foz, notam-se no tártaro de ostras com peixe branco ou nos cones de algas recheados com pepino, atum dos Açores e gel de limão, no lavagante azul com arroz carolino (preto, com um toque de tinta de choco), ou no robalo selvagem com sapateira, tupinambo e champanhe. Ou, mais ainda, no prato O Mar, com mousse de vieiras, tártaro de lavagante com percebes e caldo de lavagante, que nos põem à frente ao mesmo tempo que se escuta o barulho das gaivotas e das ondas. Tiago Bonito diz ter idealizado este prato num momento de lazer quando estava sentado numa esplanada em Vila do Conde e lhe chegou “o cheiro a sargaço”. “Tenho que levar este som e cheiro aos meus clientes”, pensou. E conseguiu-o.
“A minha comida é mar e fogo”, continua. O lume está, por exemplo, no prato de bovino maturado (durante 35 dias), com alcachofras, chanterelles e molho bordalês, que lhe recorda as memórias dos fumados da infância, “o cheiro da lareira sempre acesa nos dias frios de inverno”, onde a mãe coalhava o leite da ovelha para o transformar em queijo, ou as lembranças do cabrito assado cozinhado pelo avô com quem aprendeu a receita de leitão à Bairrada. “Cada prato tem uma história, é como uma peça de teatro”, conta-nos, numa simplicidade e paixão pela cozinha impressionantes.
À sobremesa chega-nos um gelado de leite de cabra fumado, com “falsa” torta de abóbora e cardamomo, e, numa espécie de Le Grand Finale, o Douro recriado num prato “de vinhos em várias texturas” onde não faltam folhas de videira (para comer) de menta, porto tinto e moscatel, sorvete de moscatel, mirtilo e pera bêbeda. É “um hino ao vinho num prato de sobremesa”, resume Tiago Bonito, já depois de sair da cozinha, onde preparou todos os pratos com minúcia. A nova carta do Largo do Paço – que, além do menu de degustação Identidade (€145), inclui o Caminhos (€105) e a opção de serviço à carta – é um hino aos sabores da terra, às raízes portuguesas do chefe. E de todos nós, pois.
Restaurante Largo do Paço > Casa da Calçada Relais & Chateaux, Largo do Paço, 6, Amarante > T. 255 410 830