Aquela povoação minhota do concelho de Famalicão, num desvio da estrada que vai para Braga, dir-se-ia o lugar mais improvável para instalar um restaurante de cozinha contemporânea, embora com base na tradição portuguesa, como o Ferrugem. Mas, passados onze anos, esse desvio até à Portela tornou-se obrigatório para os apreciadores do prazer da mesa que não passam sem as criações do chefe Renato Cunha. O espaço também é atraente: pé direito alto, paredes de granito, mesas convenientemente distanciadas umas das outras e com bons atoalhados, cadeiras confortáveis, decoração sóbria, iluminação suave, ambiente com discreta elegância.
Com uma ementa pequena, mas flexível e dinâmica – 4 entradas, 4 pratos principais, 4 sobremesas e variações que resultam, por exemplo, da disponibilidade ou da sazonalidade dos produtos – são preenchidos três menus de degustação (3, 4 e 6 pratos, por 39, 48 e 56 euros, respetivamente). Os menus não estão predefinidos e quase todos os clientes confiam ao chefe a tarefa de os compor, entregando-se à experiência.
São compensados quando vem à mesa, por exemplo, o “iogurte de carabineiro”, que é um mimo, pleno de suavidade e de frescura; “o caldo verde e a broa de milho tostada com azeite”, que se apresenta como um consommé, mas tem tudo o que é do caldo verde, incluindo a intensidade do sabor; o “bacalhau com todos”, que é uma interpretação originalíssima do prato tradicional, servido frio, em vez de quente, com os sabores bem definidos e conjugando os elementos mais importantes – o bacalhau em pequenas lascas, o grão num creme, a cebola em picle – com tal elegância que é um regalo para a vista e o paladar; o “duo selvagem de robalo e boletos”, que leva fígado de tamboril por cima do peixe, a dar-lhe untuosidade e a reforçar as notas marinhas, os cogumelos num arroz cremoso com o seu inconfundível toque terroso e alguns vegetais a alegrarem um conjunto tão rico como harmonioso (o prato habitual da ementa é “robalo selvagem com feijoca e legumes”, outra delícia, que cede à inspiração do chefe por força da tal flexibilidade, propiciando surpresas destas); a “posta de boi”, puré de cenoura assada e legumes grelhados”, que se desfaz em sabores; e outros de igual qualidade.
Sobremesas igualmente simples, na aparência, e ricas na apresentação e no sabor, como o “tributo ao Abade de Priscos”, com o famoso pudim em gelado, e os “queijos portugueses”, um de pasta mole, outro curado, com sorvete de figo e folhas de amêndoa.
A simplicidade descritiva da ementa reflete-se nos pratos, com ingredientes facilmente reconhecíveis ou mesmo familiares. Mas, sob a aparente simplicidade de cada prato, descobre-se a imaginação, a criatividade, o trabalho minucioso e a técnica apurada do seu criador. É do melhor que se faz em qualquer lado. Garrafeira muito bem selecionada, fora do circuito mais comercial. Serviço atento, delicado, competente.
Ferrugem > R. das Pedrinhas 32, Portela, Vila Nova de Famalicão > T. 252 911 700 > ter-sáb 12h-14h30, 20h-22h30, dom 12h-14h30 > €50 (preço médio)