Às cinco da manhã já a família de Joaquim Araújo, 51 anos, saiu de casa para tratar da apanha dos manjericos. São centenas, de vários tamanhos. Até final deste mês em que se celebram os santos populares, 20 a 30 mil vasos hão de sair dos vários talhões de terreno de uma das maiores produções tradicionais do País, em Pedrouços, Maia. A maioria destina-se às grandes superfícies. “Na semana passada, 4 mil vasos saíram para as festas de Santo António de Lisboa”, conta Alexandrina Araújo, mulher de Joaquim, que costuma marcar três semanas de férias na empresa onde trabalha como desenhadora projetista só para tratar dos manjericos.
A mãe, de 69 anos, conduz o trator. O filho, de 23, transporta-os em camiões para a Guarda, Covilhã ou Coimbra. Os amigos ajudam como podem. Seja na etiquetagem dos vasos ou na apanha das ervas daninhas. “Ano após ano, escolhemos os melhores para secar as sementes”, conta o empresário, que é simultaneamente presidente da junta de freguesia e se orgulha de ver os seus manjericos como um dos símbolos maiores das festas de São João. Alguns estão até enfeitados com as quadras criadas por Joaquim e pela mulher durante as noites frias de inverno “com algum piripíri” à mistura: “Tua mão presa à minha/ Fui à fonte e não bebi/ A estranha sede que tinha/Era afinal só sede de ti”.
Farturas e sardinha assada
O cheiro dos manjericos e do alho porro mistura-se com o da sardinha assada que, aqui e acolá, acompanhará muitos bailaricos na noite da próxima terça, 23, para quarta, 24. Na escada dos Guindais, na Sé, com vista privilegiada sobre o rio, Ponte Luís I e Serra do Pilar, e para o fogo de artifício, o Guindalense FC já tem a lotação esgotada desde os primeiros dias de maio. A sardinha assada com batata cozida, pimentos e caldo verde do jantar (€25/pessoa) e a localização foram o suficiente para esgotar a sala de 100 lugares em apenas um dia. “Ainda hoje recebo telefonemas de pessoas interessadas”, conta Rui Barros, presidente do clube cuja sede tem atraído muitos portugueses e, sobretudo, estrangeiros. Ali perto, nas Fontainhas, no coração das raízes da romaria, as Farturas Couto já montaram “tenda” há vários dias e esperam os festeiros até 4 de julho. Ao longo de seis meses, de abril a outubro, Mário Marques, 45 anos, está habituado a percorrer as principais romarias do norte. Põe a mistura de farinha, água, fermento e sal a cair no óleo quente (260 graus) para formar, em poucos segundos, uma tira enrolada de massa. Depois de cortada em pedaços, a fartura vai para a mão dos gulosos polvilhada com açúcar e canela (€0,70/unidade; €8/dúzia).
Na noite da festa, as mesas das duas salas contíguas não dão vazão a tanta gente. Além das “casas” de farturas, já chegaram às Fontainhas os “restaurantes” de bifanas e caldo verde, alguns carrosséis e divertimentos. Mas, para a maioria dos moradores são “insuficientes” e estão aquém das expectativas. Apesar de a autarquia ter assegurado o regresso do São João à zona, os moradores queixam-se da falta de condições de higiene. “Afinal, é um armazém de camiões”, lamenta Armando Costa, 67 anos, proprietário do snack bar La Fontaine que formou uma comissão pretende propor uma melhor redistribuição dos feirantes. Também António Anjos, 71 anos, lastima “a falta de espaço” “Depois da construção da Ponte do Infante, deixou de ser a mesma coisa.” Mas São João é São João – “e a festa é que importa.” A partir de sexta, 19, e até à noite de 23, não faltam concertos de música popular portuguesa resultado de uma parceria entre a Porto Lazer e a Rádio Festival num palco montado na Alameda das Fontainhas. Será aqui que, a 4 de julho, os festejos (orçados em 300 mil euros) terminam com as típicas Rusgas.
Na roda do Rock in Rio
Na Rotunda da Boavista, onde a animação regressou já no ano passado, a roda gigante que esteve no Rock In Rio, no Brasil, é o centro das atenções. Quem passa estende o pescoço até o olhar alcançar os 40 metros de altura da roda que pode levar até 160 pessoas em cada volta de quatro minutos. Pedro Frey, 26 anos, fotografa a sobrinha, Francisca, 8 anos, antes de entrarem na “aventura”. Feita a viagem, chegam sorridentes e sem tonturas. “Nota-se que é mais alta do que a do ano passado”, comenta Pedro, enquanto Kika sorri testemunhando o entusiasmo. “Dá para ver a Boavista, a cúpula dos prédios, a Casa da Música…Se fosse mais alta, ainda se via melhor a cidade.”
Na noite de São João, serão muitos os balões a colorir os céus do Porto, uma tradição que terá nascido, segundo o jornalista e historiador Germano Silva, como “culto ao sol”. Mas, desta vez, haverá alguns invulgares. Serão pelo menos 120, resultantes de um workshop que o mestre baloeiro Luciano Britto, 38 anos, está a desenvolver em parceria com a associação Maus Hábitos. Papel de seda, cola branca, arame “para fazer a boca do balão”, algodão com parafina são os materiais que trouxe do Brasil onde a prática de lançamento de balões de fogo é proibida desde 1998. “Mas a paixão é tão grande que as pessoas não se importam do perigo”, conta. Luciano é um dos destemidos. Apaixonado por esta arte, transmitida no Brasil de geração em geração, este professor de educação física pretende lançar um balão de dez metros. “É o limite do bom senso”, sorri. Nos ateliês que está a desenvolver no Edifício Montepio, na Avenida dos Aliados (até dia 19, das 15 às 20h), ensina a construir balões japoneses “com duas cores, como se fossem um chapéu de festa”. Porque como gosta de dizer: “A arte do baloeiro não é fazer balões e sim, através deles, conquistar amigos.”
A cidade está em festa. Os manjericos vendem-se em cada esquina e até as montras das lojas entram na romaria. Há dezenas que se inscreveram num concurso promovido pela Associação de Comerciantes do Porto. Como a Tubitek, na Praça D. João I, que pôs balões de São João feitos com papel de pautas a rodar num gira-discos; a Cunha Rodrigues, onde sobressaem manjericos de tecido; ou a montra da loja de ferragens Rocha & Leitão, na Rua do Almada, na qual as tradicionais molas de aço, rodízios ou grelhas para assar sardinhas se destacam num projeto contemporâneo. Mais acima, na Rua da Fábrica, quem passar pelo Grande Hotel de Paris, dá de caras com a Cascata de São João, que representa em miniatura as tradições e profissões da cidade e é uma das poucas instituições privadas a integrar o concurso promovido pela autarquia. “Quando montámos a cascata, uma turista alemã perguntou se eram legos”, conta David Ferreira, o diretor do hotel fundado em 1877. Alguns dos bonecos de barro têm mais de meio século e foram encontrados durante as últimas obras de remodelação. São, afinal, outras histórias dentro da cascata.