O luto pelo final das férias, o regresso ao trabalho, às rotinas e as enormes expectativas que depositamos no “novo ano” que começa podem ser gatilhos de grande ansiedade. Em conversa com a VISÃO Saúde, a psicóloga e terapeuta familiar Catarina Lucas sublinhou a importância de nos recordarmos que não temos de ser perfeitos e explicou como é que podemos gerir melhor o nervosismo, que geralmente acompanha este período.
Em primeiro lugar, para quem ainda está de férias, a especialista aconselha um regresso um dia ou dois antes de iniciar a trabalhar, “para repor as rotinas, os horários, o sono e organizar as coisas, num sentido mais logístico”.
Catarina Lucas sublinha ainda que “estamos numa fase, enquanto sociedade, em que impomos uma série de coisas a nós mesmos”. Ser perfeito, produzir mais e melhor, praticar exercício físico, alimentar-nos corretamente, gerir carreira e filhos e fazê-lo de forma, aparentemente, tranquila, parece ser a Meca da auto-realização, num século em que, paradoxalmente, temos sempre menos tempo para dedicar a cada uma destas atividades.
“Se há coisa que sabemos é que a perfeição não existe e que não vamos conseguir ser perfeitos”, sublinha a psicóloga, identificando uma intolerância cada vez maior das pessoas face ao erro e à incapacidade de fazerem tudo.
“É importante revertermos esta tendência, porque relaciona-se muitíssimo com quadros de ansiedade”, defende Catarina Lucas, revelando que um dos maiores focos de pressão passa pelo mundo das redes sociais.
Segundo a especialista, com o crescimento das redes sociais, surgiu um bombardeamento de mensagens que nos querem fazer acreditar que “somo capazes de tudo, basta querer”. “É importante correr atrás dos sonhos, mas, a determinada altura, é importante perceber que há limites e que não, não conseguimos tudo”.
Além de aprender a lidar com a frustração, a psicóloga aconselha a parar para “aproveitar aquilo que já conseguimos conquistar”, sem saltar imediatamente para a próxima meta ou objetivo. Neste sentido, e apesar de setembro ser um mês em que muitos estabelecem objetivos para o ano letivo seguinte, Catarina Lucas refere que essa não deve ser vista como uma prática obrigatória.
Será mais produtivo fazer um balanço dos meses que passaram e praticar, mais uma vez, a capacidade, não só de aceitar o que não se conseguiu fazer, como alegrar-se pelas conquistas alcançadas.
A pressão nos mais novos
Quando se trata de crianças, a pressão para terem boas notas, praticarem um desporto, tocarem um instrumento musical ou dominarem uma nova língua pode, da mesma forma, ser assoberbante. Não quer dizer que as crianças não devam ser estimuladas, mas é importante os pais equilibrarem-lhes os horários e ensinarem-nas a gerir as expectativas.
“Hoje, os pais estão muito voltados para os filhos de excelência. Às vezes têm seis, sete, oito ou dez anos, e nós já estamos a pensar no futuro brilhante que eles vão ter, esquecendo-nos da socialização, das relações interpessoais do desenvolvimento de competências emocionais”, alerta Catarina Lucas.
“Temos miúdos brilhantes, mas, em termos de competências emocionais e de relacionamento interpessoal, com muitas dificuldades”.
Planear o futuro sem quebrar
Apesar de não considerar fundamental estabelecer metas em setembro, Catarina Lucas explica que existem várias fases na vida e que, consoante aquela em que nos encontramos, poderá fazer mais sentido dedicar-nos à progressão na carreira, filhos, amigos ou vida pessoal.
O importante é perceber quando é que a dedicação ao objetivo atingiu o ponto em que podemos, e devemos, “desacelerar um bocadinho”. E para assegurar o equilíbrio quotidiano nada como o poder tranquilizador da rotina.
“Às vezes consideramos a rotina uma coisa muito má, mas ela dá-nos algo que é essencial ao ser humano: Previsibilidade”, defende Catarina Lucas, explicando que, a maioria das pessoas, na incerteza, “vive em ansiedade”.
Tal como os adultos, as crianças necessitam de rotinas de sono, alimentação, estudo e brincadeira. Ao chegar a setembro, é importante repo-las, a fim de acalmar a euforia das férias e regressar às aulas de forma mais serena.
Ao longo da conversa, Catarina Lucas abordou ainda temas como a pouca tolerância à frustração, ao tédio e à espera, que, cada vez mais, se faz sentir em toda a gente, a velocidade a que o mundo está a mudar, promovendo decisões de vida pouco ponderadas, e ainda a importância do sono na manutenção de um dia-a-dia mais pacífico e, até, mais produtivo.
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