Ter auto-conhecimento é saber o que nos deixa “zangados ou felizes”, reflete Maria Palha, psicóloga clínica. É saber “interromper modos de funcionamento” que nos trazem sofrimento quando estes se “ativam”
Nas Conversas da VISÃO SAÚDE, a especialista que, desde 2006, viaja pelo mundo com organizações de Saúde e com os Médicos Sem Fronteiras para criar programas de saúde mental em contexto de crise humanitária, epidemia ou conflitos, fala-nos sobre as emoções e como lidar com elas. “Eu chamo-lhe auto-conhecimento emocional porque se olhamos para as nossas emoções, conseguimos identificar as necessidades mais íntimas.”
Se alguém diz “estava extremamente zangado, mas não me posso zangar”, essa pessoa “precisa de entender o que essa zanga quer dizer”. Sem auto-conhecimento a zanga pode traduzir-se em agressividade que pode escalar até ao conflito, ou seja, formas menos harmoniosas de regulação.
A também autora dos livros Uma Caixa de Primeiros Socorros das Emoções e, mais recentemente, Emocionar – Um Kit de Saúde Emocional para as Famílias, já percorreu o mundo para ajudar a lidar com as emoções.
No feedback que foi tendo do primeiro livro, as pessoas diziam-lhe que “já sabiam introduzir uma série de estratégias” quando se sentiam tristes e como é que “funcionavam” psicologicamente, mas faltava algo mais. No seu consultório, os pacientes comentavam: “as pessoas que estão à minha volta começam a identificar-me como o chato que só fala em saúde mental”.
Partiu então para o Kit de Saúde Mental. “Não quis criar um livro de especialista, quis que fossem vários especialistas/público”, diz. “Durante cinco anos entrevistei especialistas do mundo inteiro. Os meus especialistas foram crianças entre os cinco e os dez anos de diferentes zonas do mundo, de contextos tão diferentes como a Serra Leoa, Egito, Jordânia, Brasil, Colômbia, Portugal ou Japão.”
Mesmo em latitudes e contextos diferentes, Maria Palha foi surpreendida com respostas semelhantes a algumas das perguntas.
“Percebi que a superação ou não das pessoas que estavam em contexto de crise não era exatamente a circunstância em que se encontravam, não era se estavam numa guerra no meio da Síria ou por terem passado por um terramoto na Turquia, era sobre o conhecimento das suas emoções.”
Uma das perguntas feitas às crianças foi: “O que mais detestam que os adultos façam?” E, muitas delas, independentemente do país, responderam “odeio quando os adultos trabalham, porque assim não temos tempo para brincar juntos”. Também se referiram à questão dos telemóveis: “odeio quando os adultos estão agarrados ao telemóvel” – que, curiosamente, é uma das coisas de que os adultos mais se queixam em relação aos mais pequenos.
As crianças portuguesas que participaram nas entrevistas de Maria Palha apontaram a necessidade dos adultos não saberem o que são as emoções, porque, disseram, “se soubessem, talvez tivessem mais sonhos”.
Na Serra Leoa, para lidar com a perda, os mais novos disseram que “quando estamos tristes, porque morreu alguém, temos de ir fazer surf e estar unidos com a família”. No Japão, à pergunta “o que nos distingue das outras pessoas?”, os miúdos responderam com uma interrogação. “Distingue como?”, para, a seguir completarem, “nós somos todos iguais, somos Humanos”.
CONVERSAS COM SAÚDE: As emoções e a saúde mental
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