“Cada um está a lidar com a solidão que tem”, sintetiza Gabriela Moita, esteja ou não numa relação amorosa. Alguém que viva sozinho pode aceitar perfeitamente bem o facto de estar só, enquanto outra pessoa que viva acompanhada pode sentir-se profundamente isolada. O confinamento veio dificultar a criação de novas relações e pôr as já existentes à prova, mas a forma como se lida com isso depende de cada um.
“As coisas não são necessariamente positivas ou negativas, tudo depende da forma como reagimos a elas”, acrescenta a psicóloga clínica, que aceitou o convite da VISÃO Saúde para refletir sobre o impacto da pandemia no amor e no sexo.
Gabriela Moita não tem dúvidas de que crise sanitária provocada pelo vírus SARS-CoV-2 trouxe ao de cima a “incerteza”, que provoca mais ou menos ansiedade, consoante as pessoas.
Ao consultório, chegam-lhe “muitas pessoas zangadas” por a forma como se relacionam com os outros ter sido radicalmente alterada pela pandemia. “Quem estava no início de uma relação, que se fortalecia no quotidiano, está muito revoltado porque agora não é a mesma coisa”, ilustra.
A psicoterapeuta não aconselha a ficar preso ao pensamento de que “antes é que era bom”. Afinal, é possível tirar partido das novas modalidades de relacionamento potenciadas pelo contexto pandémico. Que tal recuperar as “célebres cartas de amor”?, sugere.
Amor em rede
Também as redes sociais se reforçaram enquanto instrumentos de sedução. Contudo, implicam alguns cuidados no que diz respeito à partilha de vídeos ou de imagens que possam ser expostas sem consentimento. Um crime habitualmente praticado contra as mulheres, já que são elas as mais penalizadas socialmente por terem vida sexual, ao contrário dos homens.
Gabriela Moita lembra que o erotismo também pode ser estimulado à distância, “através do imaginário”.
Gabriela Moita lembra que o erotismo também pode ser estimulado à distância, “através do imaginário”. E dá o exemplo de um casal que lhe confessou ter saudades do tempo em que se aproximaram através da internet e em que fantasiavam um com o outro. “Às vezes, a aproximação [física] também pode afastar”, admite.
“Há pessoas que com muita proximidade perdem o desejo, como se o afastamento provocasse mais tensão e trouxesse mais desejo, mas também há quem funcione muito melhor quando está próximo do outro”, conclui.
Fundamental em todo este processo de readaptação das relações, nota, é relembrar que se trata de uma situação transitória.
Alimentar o desejo
Se os solteiros foram obrigados a encontrarem alternativas de sedução, também os casais enfrentam esse e outros desafios. A realidade com a qual se deparam é muito díspar, consoante o contexto socioeconómico.
No início do confinamento, “houve alguma euforia por parte dos casais que antes não tinham tempo para estarem juntos, mas com a manutenção da situação, alguns sentiram uma proximidade excessiva”, reconhece Gabriela Moita. No entanto, o equilíbrio entre o espaço individual e o espaço da relação não é uma questão nova. “Há quem goste de fazer caminhadas sozinho e quem fique triste se o outro não o convidar para o passeio”, exemplifica. “É fundamental encontrar harmonia entre o que cada um deseja.”
A dificuldade em estabelecer este ponto de encontro é que faz, muitas vezes, com que alguns casais não se entendam nas férias ou, pelo contrário, que só se entendam nas férias.
Também o peso das tarefas domésticas, que continua a recair esmagadoramente sobre as mulheres, pode contribuir para afastar os casais em tempos de confinamento.
Gabriela Moita sublinha a importância de encontrar tempo para namorar, “e estar olhos nos olhos com a outra pessoa”, o que nem sempre é possível num quotidiano partilhado e assoberbado.
A terapeuta sexual e de casal faz questão de sublinhar que há pessoas, casais, famílias que “vivem em verdadeiros palcos de guerra”, seja devido a dificuldades financeiras ou mesmo devido a situações limite, como casos de violência doméstica ou de abusos sexuais. Nesses contextos, existe “uma grande incapacidade de gerir qualquer relação”.
A também psicoterapeuta constata o impacto evidente dos problemas de saúde mental nas relações e na sexualidade. “Quem não está bem consigo, também não está bem com os outros”, afirma.
Se algumas pessoas veem o seu desejo aumentado em períodos de ansiedade, outras há que o veem diminuído. “Há uma pressão brutal para que a líbido esteja sempre presente.” Contudo, “é preciso aceitar que há fases da vida em que ela está mais ausente”, aconselha.
Vários estudos mostram que os profissionais de saúde que estão na linha da frente do combate à pandemia, por exemplo, sentem menos desejo, ao que não será alheio o facto de se moverem num contexto “muito pouco erotizante”.
Uma situação que, de acordo com a psicóloga clínica, não deve ser vivida com frustração, “porque a líbido não se perde para sempre. Ela vai e vem”.
Gabriela Moita considera esta fase pandémica uma espécie de “jejum”, que pode contribuir para um maior autoconhecimento para quem não vive as tais outras “guerras”, como dificuldades financeiras ou sentir a sua integridade física em risco. Os privilegiados, acredita, ainda “poderão vir a ter saudades deste tempo”.
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