O agravamento de perturbações mentais, que já tinham uma prevalência elevada antes da pandemia, foi o ponto de partida para a conversa com o docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e diretor clínico do Centro Clínico PIN. O que leva a que os estados ansiosos e depressivos se instalem e fiquemos doentes? A resposta está na biologia e na história da relação que temos com o que se passa à volta. “O cérebro é um orgão constituído por células e neurónios que comunicam entre si através de substâncias químicas, os neurotransmissores”, começa por afirmar o clínico. Estes mecanismos têm uma carga genética, razão pela qual uns terão maior vulnerabilidade que outros a desequilíbrios químicos gerados por fatores de stresse. “Todas as vivências de stresse têm uma tradução biológica”, alterando quimicamente o funcionamento cerebral. Não admira, pois, que as mudanças com que todos nos vimos confrontados desde o início do confinamento – com a disrupção das nossas rotinas pessoais, familiares, sociais e laborais – se estejam a manifestar no aumento de sintomas ansiosos e depressivos, até aqui apontados como a pandemia do século XXI.
Os miúdos também não estão bem
Os mais jovens, cujo cérebro ainda está em desenvolvimento, são uma fonte de preocupação acrescida: estima-se que 20% das crianças e adolescentes tenham, pelo menos, uma perturbação mental, segundo a Organização Mundial de Saúde. No nosso país, essa percentagem tende a ser superior (como sugere um estudo da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, realizado em 127 escolas do país, com alunos do terceiro ciclo), complicando a vida aos jovens. Nesta fase da vida” intensificam-se as relações amorosas, é o início da vida sexual, definem-se papéis sociais interpares e há ainda as exigências de adaptação ao novo meio académico”. Se nos adultos, “a intensidade, o prolongamento e a impossibilidade de prever o fim de um fator de stresse contribuem para tornar o stresse crónico e potenciar perturbações ansiosas e depressivas”, nos adolescentes a situação tende a complicar-se, uma vez que a região mais evoluída do cérebro (córtex frontal e pré frontal), que tem uma função reguladora das emoções, se desenvolve mais tarde. “È esperado que os adolescentes sejam mais impulsivos e desregulados do ponto de vista emocional do que os adultos”, adianta.. Em períodos como o que estamos a viver, eles estão naturalmente menos equipados para lidar com isso. Em casos mais graves, “desenvolvem estratégias disfuncionais na tentativa de regular as emoções”.
Medicamentos e psicoterapia: o bem que lhe fazia
“A intensidade, o prolongamento e a impossibilidade de prever o fim de um fator de stresse aumenta a probabilidade de desenvolver perturbações psiquiátricas”, esclarece o especialista. O estigma que leva muitos a não procurar ajuda ainda existe e é urgente ultrapassá-lo, para que os sintomas não se convertam em doença instalada. Como saber quando estamos em face de uma coisa ou de outra? “A intensidade e a duração dos sintomas e a disfuncionalidade que causam são os principais critérios para definir se as emoções são normais ou patológicas.” Por isso, quanto mais cedo melhor. Por vezes a psicoterapia basta, mas quando já existe um desequilíbrio químico, uma condição que se tornou crónica, “só essa opção não chega, é mesmo preciso repor o equilíbrio químico com medicação”. Face aos que temem ficar dependentes dos comprimidos ou aos que se automedicam, importa desmistificar: “Os antidepressivos não causam dependência e sem eles a doença não vai passar; já os ansiolíticos, ou calmantes, podem causar um aumento da tolerância e devem ser prescritos por períodos que podem ir de seis a 12 semanas”, em média, dependendo do caso e do bom senso clínico. A psicoterapia “permite conhecer de que forma a pessoa lidou desadequadamente com fatores de stresse que contribuíram para o quadro clínico e aprender a lidar com eles de outra forma no futuro”.
E outras soluções complementares que contribuam para o nosso bem-estar psicológico? “O exercício físico, a exposição à luz solar e dietas ricas em ácidos gordos ómega-3”, sugere Gustavo Jesus. Afinal, não há mesmo razão para que não cuidemos da nossa saúde mental para lidar com uma situação que exige mais de nós, fazendo valer a máxima, “para grandes males, grandes remédios”.
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