Uma nova análise, desenvolvida por investigadores de diferentes instituições de renome como a Universidade de Sydney e a Universidade Sorbonne, em Paris, França, concluiu que os alimentos ultraprocessados (UPF, na sigla inglesa) estão diretamente ligados a 32 efeitos negativos para a saúde. Dentro desta lista, está incluído, por exemplo, o maior risco de desenvolver alguns tipos de cancro, mas também de desenvolver diabetes tipo 2.
“Uma maior exposição a alimentos ultraprocessados foi associada a um maior risco de resultados adversos para a saúde, especialmente cardiometabólicos, distúrbios mentais comuns e resultados relacionados com a mortalidade”, escrevem os investigadores, no estudo publicado na BMJ.
Os alimentos ultraprocessados têm sido objeto de estudo e discussão na área da saúde: estudos anteriores ligaram o seu consumo a vários problemas de saúde, abordando diferentes efeitos no sistema digestivo, problemas metabólicos, obesidade e desenvolvimento de certas doenças crónicas, também devido ao seu baixo valor nutricional.
E uma investigação de maio do ano passado, publicada no JAMA Neurology, foi mais além do que já se conhecia, com os seus autores a afirmarem que basear a alimentação em comida ultraprocessada, que contém pouco ou nenhum alimento completo e normalmente inclui aromatizantes, corantes, emulsionantes e outros aditivos alimentares, não afeta apenas o bem-estar físico, mas também o mental.
A investigação durou nove anos e incluiu mais de 10 mil funcionários públicos, com idades entre os 35 e os 74 anos, provenientes de seis cidades brasileiras, concluindo que, se mais de 20% da ingestão diária de energia, algo como 400 calorias numa dieta de 2000, for proveniente de alimentos ultraprocessados, poderemos estar a aumentar o risco de declínio cognitivo.
Alimentos ultraprocessados são produtos alimentícios que passaram por múltiplos processos industriais, muitas vezes contendo ingredientes artificiais, aditivos e pouco valor nutricional. Exemplos incluem refrigerantes, salgadinhos, fast food, cereais açucarados, produtos congelados altamente processados e alimentos pré-preparados. O alto teor de açúcares, gorduras saturadas, sódio e a presença de aditivos são caraterísticas comuns nesse tipo de alimentos, sendo associados a preocupações relacionadas à saúde quando consumidos em excesso.
Nesta nova investigação, a equipa realizou uma extensa revisão de mais de 45 meta-análises relativas a 14 artigos de revisão que associavam este tipo de alimentos a determinados efeitos negativos para a saúde. Estes artigos, que envolveram ao todo quase 10 milhões de pessoas, tinham sido publicados nos últimos três anos e nenhum deles foi financiado por empresas envolvidas na produção deste tipo de alimentos, explica a equipa.
Para conseguirem obter uma estimativa de exposição aos UPF, os autores tiveram em conta questionários de frequência alimentar, recordatórios alimentares de 24 horas – uma técnica utilizada em investigação em que os participantes são entrevistados para recordar e relatar todos os alimentos e bebidas consumidos nas últimas 24 horas – e histórias alimentares. Para estabelecerem a estimativa, a equipa avaliou se o consumo de UPF era maior ou menor, se havia consumo de porções adicionais por dia ou de um incremento de 10% por dia desse consumo.
Após a análise, os investigadores referiram ter encontrado “no geral”, “associações diretas entre a exposição a alimentos ultraprocessados e 32 parâmetros de saúde que abrangem a mortalidade, o cancro e os resultados de saúde mental, respiratória, cardiovascular, gastrointestinal e metabólica”.
Mais concretamente, de acordo com a análise da equipa, uma maior ingestão de UPF está associada a um aumento de cerca de 50% do risco de morte relacionada com doenças cardiovasculares e também a um incremento de 12% no que diz respeito ao risco de desenvolver diabetes de tipo 2. Em relação à saúde mental, um maior consumo destes alimentos estava ligado a um aumento de 48 a 53% do risco de ansiedade e perturbações mentais comuns.
Desta lista de 32 parâmetros, 4 estão relacionados com a mortalidade, 7 com cancro, 4 com problemas de saúde mental, 2 com saúde respiratória, 5 com saúde cardiovascular, 2 com saúde gastrointestinal e 8 com saúde metabólica.
“Estas descobertas fornecem uma base racional para desenvolver e avaliar a eficácia da adoção de medidas de saúde pública e de base populacional para direcionar e reduzir a exposição alimentar a alimentos ultraprocessados para melhorar a saúde humana”, escreveram os investigadores.
Em entrevista ao The Guardian, Chris van Tulleken, especialista em UPF e professor na University College London comentou os resultados deste estudo, referindo que são “inteiramente consistentes” com um “enorme número de estudos independentes que ligam claramente uma dieta rica em UPF a múltiplos resultados prejudiciais para a saúde, incluindo a morte precoce”.
Contudo, apesar das conclusões, os investigadores reconheceram a existência de várias limitações na revisão de estudos e outros investigadores não envolvidos na investigação advertiram que estes resultados não provam uma ligação de causa e efeito.