O conceito de temperatura corporal padrão foi introduzido por Carl Wunderlich, médico alemão que, em meados de 1800, registou e analisou mais de um milhão de medições de temperaturas axilares de cerca de 25 mil doentes. Foi a partir dessas medições que Wunderlich chegou a uma média de temperatura corporal considerada padrão, de 37º C, que tem prevalecido desde então.
Mas “Wunderlich nunca referiu que 98,6 graus Fahrenheit (37 graus Celsius) era a temperatura normal, mas sim uma temperatura normal”, sublinha, em declarações ao The Washington Post, Philip Mackowiak, professor de medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, nos EUA. “Era o que ele acreditava ser a temperatura média dentro do enorme conjunto de dados” que analisou, explica o professor.
Os especialistas referem que as temperaturas corporais, tal como acontece com outras alterações físicas, mentais e comportamentais, seguem os seus próprios ritmos circadianos, razão pela qual flutuam durante o dia.
De acordo com o Sistema Nacional de Saúde português, “a temperatura corporal normal situa-se entre os 36 e os 37º C”, dependendo, contudo, da pessoa e da sua idade, da atividade que desempenha, da altura do dia e da parte do corpo em que está a ser avaliada a temperatura.
E à VISÃO, Villa de Brito, Diretor Clínico da área de consultas da Clínica Affidea de Setúbal, afirma que “a temperatura oral corporal normal varia entre 36º e 37,5ºC”. “A nível retal ou vaginal é habitualmente 0,5ºC mais alta. A nível axilar é 0.5ºC mais baixa”, explica.
“A temperatura [corporal] continua a subir durante o dia”, explica, em entrevista ao mesmo jornal, Ivayla Geneva, acrescentando que o pico ocorre cerca de duas horas antes de irmos dormir” e é mais baixo cerca de duas horas antes de acordarmos. Geneva é médica no Hospital Crouse e na SUNY Upstate Medical University, em Syracuse, Nova Iorque, investigando precisamente os ritmos circadianos ligados à temperatura corporal.
A investigadora Julie Parsonnet, professora de medicina, epidemiologia e saúde populacional na Universidade de Stanford, Califórnia, EUA, liderou um estudo publicado recentemente em que se realizou uma análise de mais de 600 mil medições de temperatura por via oral de pacientes ambulatórios, entre 2008 e 2017.
Com estes dados, a sua equipa descobriu que as suas temperaturas corporais normais variavam de 97,3 a 98,2 graus Fahrenheit, ou seja, cerca de 36,3 graus Celsius a cerca de 36,8 graus Celsius, com uma média de 97,9 graus Fahrenheit (36,6 graus Celsius).
A equipa concluiu também que os homens tendem a registar temperaturas mais baixas relativamente às mulheres e que os valores normais também vão diminuindo com a idade, e confirmaram que as temperaturas eram mais baixas no início da manhã e mais altas no final da tarde.
Além disso, a investigação sugere que a temperatura corporal normal diminuiu de 98,6 graus (37 graus Celsius) em cerca de 0,05 graus a cada década desde o século XIX, o resultado de melhores condições de vida e cuidados de saúde que reduzem a inflamação, o que provoca o aumento da temperatura, dizem os investigadores.
De acordo com a investigadora principal, a esperança de vida estava na casa dos 40 em 1860, devido ao elevado número de casos de “tuberculose, doenças dentárias, doenças cardíacas reumáticas e infeções de pele”, por exemplo. “Uma boa saúde reduz a sua temperatura porquenão está a esforçar-se tanto para ficar bem”, esclarece Parsonnet.
Para a realização deste estudo, a equipa avaliou a idade, sexo, peso, altura, Índice de Massa Corporal (IMC), toma de medicamentos e condições de saúde de cada doente, além de ter registado as horas do dia em que as temperaturas corporais foram medidas. E para evitar distorções nos resultados, decidiu excluir do estudo os participantes que tomavam medicação que pode afetar a temperatura corporal.
Porque é importante ter em conta o aumento da temperatura corporal? Como avaliar as mudanças na sua
“Todos os dias tenho doentes com temperatura de 98,6 (37 graus Celsius) que me dizem que esta temperatura é demasiado alta para eles”, refere Parsonnet. E acrescenta: “Quando os doentes chegam e dizem: ‘Não me sinto bem e esta temperatura não é normal para mim’, devemos ouvi-los. Os sintomas devem ser levados a sério, mesmo que a temperatura corporal não esteja acima de 98,6 graus”, defende.
Além do próprio ritmo circadiano, é preciso ter em conta outros fatores que também podem ter impacto na temperatura corporal, dizem os especialistas, tais como a alimentação, o álcool, o clima, a realização de exercício físico, tomar banho numa banheira de hidromassagem ou praticar natação em água fria ou o uso de certos medicamentos. Também condições de saúde como o hipotireoidismo podem reduzir a temperatura corporal.
“Algumas das doenças mais graves – especialmente a sepse – podem fazer diminuir a temperatura, o que significa que o sistema termorregulador está prestes a entrar em colapso”, refere ainda Mackowiak. “Uma temperatura abaixo dos 90 graus Fahrenheit (cerca de 32 graus Celsius), por exemplo, seria alarmante”, acrescenta.
A temperatura corporal é uma ferramenta valiosa para detetar doenças, explicam os cientistas, sendo uma das maneiras pelas quais o nosso sistema imunológico responde a um micróbio invasor, sugerindo muitas vezes a existência de uma infeção.
“A febre, ou seja, a subida de temperatura acima dos valores normais, é um mecanismo de defesa do organismo, que nos deve pôr em alerta para a existência de eventual doença, mais frequentemente infeciosa”, esclarece Villa de Brito. “Acima de 40ºC obriga a terapêutica sintomática com antipirético, como o paracetamol, mesmo sem conhecimento da causa que a determina”, acrescenta.
A fim de conseguir detetar possíveis mudanças importantes na temperatura corporal, e perceber se está com febre, é importante medir a temperatura, uma vez de manhã e uma vez à noite, durante vários dias, para que se tenha uma noção da média padrão.
Os especialistas dizem que a medição retal é, normalmente, a mais precisa, mas acrescentam que um termómetro oral é bom e mais confiável do que um dispositivo axilar. Não é aconselhável comer ou beber nada quente ou frio antes de medir a temperatura por via oral, alertam ainda.