No mês passado, o New York Times avançava que três pessoas tinham morrido em Nova Iorque, nos EUA, nas semanas anteriores, devido a uma infeção pela bactéria Vibrio vulnificus, através da água do mar e do consumo de ostras, sendo que pelo menos duas delas tinham estado a nadar nas águas costeiras do estuário de Long Island.
Na altura, James McDonald, comissário de saúde de Nova Iorque, aconselhou as pessoas com feridas abertas para evitarem nadar na água do mar e para terem cuidado com a ingestão de marisco cru. Também foram anunciadas cinco mortes devido à bactéria na Flórida.
Os especialistas estão, agora, preocupados com o aumento sem precedentes deste tipo de bactérias na costa mais a norte, intensificado pelas alterações climáticas, temendo que se torne uma ameaça persistente à possibilidade de as pessoas desfrutarem da praia com segurança.
“Estamos habituados a certas doenças na nossa região, mas isto é algo com o qual os médicos do nordeste, por exemplo, podem não estar tão familiarizados”, explica, citado pelo site da Wired, Cesar Arias, professor e coordenador de doenças infecciosas do Houston Methodist Hospital, em Houston, Texas, acrescentando que “todas estas mudanças climáticas que estamos a observar, incluindo o tremendo aquecimento dos oceanos, estão a mudar a geografia das doenças infecciosas”.
Já em março deste ano, um estudo publicado na revista científica Scientific Reports revelou que as alterações climáticas podem estar a favorecer a proliferação dessa bactéria ao longo da costa leste dos Estados Unidos, acrescentando que as infeções provocadas pela Vibrio vulnificus ao longo dessa costa podem duplicar nos próximos 20 anos devido à subida da temperatura média da água do mar, que permite que a bactéria prospere em locais mais a norte do que o habitual.
As infeções por esta bactéria, que é capaz de se alimentar de carne humana, são raras, mas acarretam riscos elevados para a saúde, e podem acontecer quando alguém entra em contacto com água com uma quantidade de bactérias muito grande ou quando come marisco contaminado (a bactéria pode entrar no corpo através de ferimentos muito leves: por exemplo, com um corte feito ao pisar uma concha).
Enquanto um caso ligeiro de vibriose se traduz em arrepios, febre, diarreia, dores de estômago, ou vómitos, infeções mais graves podem fazer com que o doente precise de uma intervenção cirúrgica para remover o tecido ou amputar a zona afetada.
Além disso, pode ocorrer septicemia, particulamente em pessoas com o sistema imunitário comprometido, especialmente com cancros, doenças hepáticas, diabetes e VIH, por exemplo.
As taxas de mortalidade são elevadas, cerca de 18%, e a maioria das fatalidades ocorre 48 horas após a exposição.
Surtos fora das zonas habituais da bactéria
A Vibrio vulnificus pode ser encontrada em águas de todo o mundo, sendo que vive naturalmente em águas quentes, salgadas ou salobras, e é da mesma família das bactérias que provocam a cólera. Nos EUA, está muito presente ao longo de algumas das águas costeiras das costas leste e oeste e no Golfo do México, proliferando nos meses mais quentes, quando as temperaturas do oceano atingem o valor máximo anual, uma vez que a água mais quente estimula o crescimento bacteriano e as ostras, por exemplo, acumulam estes organismos quando se alimentam.
O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA refere sssque a Vibrio vulnificus provoca cerca de 80 mil casos e 100 mortes no país, todos os anos, sendo que 52 mil deles vêm do consumo de marisco.
Contudo, o que tem preocupado mais os especialistas são as infeções provocadas quando a água do mar, repleta de bactérias, se infiltra numa ferida aberta, já que são as menos controláveis pelas autoridades.
Se a doença for imediatamente tratada com antibióticos, o cenário pode não ser tão negro. Mas caso o tratamento não seja rápido, pode acontecer aquilo que se denomina por fascite necrosante, que ocorre quando uma infeção começa a devorar a pele, os músculos, os nervos, a gordura e os vasos sanguíneos à volta de uma ferida infetada
Há vários anos que os investigadores se preocupam com o facto de o aumento das temperatura estar a facilitar a saída desta bactéria das suas zonas habituais, com surtos bacterianos a serem documentados nas costas dos Países Baixos e da Polónia, locais onde a água devia ser demasiado fria para a Vibrio ser capaz de crescer.
Além disso, na última década, a bactéria desenvolveu-se nas águas costeiras do Atlântico ao largo da Flórida e dos estados da Carolina do Norte e do Sul, contaminando os mariscos. O furacão Ian, que, em setembro de 2022, devastou o oeste de Cuba e o sudeste dos EUA, particularmente nos estados da Flórida e Carolina do Sul, e provocou fortes inundações no condado de Lee, na Flórida, também fez com que o número de casos da infeção bacteriana rara aumentasse de forma “anormal”, de acordo com o Departamento de Saúde estadual.
Nesse ano, a entidade revelou que, até ao fim de outubro, a Flórida tinha registado 64 infeções por Vibrio vulnificus e 13 mortes, um aumento em relação ao ano anterior, em que tinham sido identificadas 34 infeções e 10 mortes. De acordo com a mesma entidade, desde 2008, ano em que este estado começou a registar o número de infeções por esta bactéria, que não eram ultrapassados os 50 casos.
Não é só um problema de aumento da temperatura
De acordo com Geoffrey Scott, presidente de ciências ambientais da Arnold School of Public Health da Universidade da Carolina do Sul, e líder de um consórcio de investigação sobre oceanos e alterações climáticas, explica que as mudanças na qualidade da água estão a aumentar a capacidade de a Vibrio provocar doenças graves.
O investigador esclarece que essas alterações mudanças são impulsionadas pela relocalização de pessoas para as costas, o que aumenta os fluxos de nutrientes para o oceano através das águas residuais.