HaPILLness. O nome diz tudo: pílula e felicidade. Trata-se de uma abordagem inovadora, iniciada há quatro anos, e destinada aos roedores usados nos ensaios pré-clínicos de laboratório, e que pode representar o fim de um processo penoso para as cobaias: a gavagem. Em vez de lhes ser administrada a dosagem precisa do composto a testar por meio de uma sonda gástrica, os animais passaram a ter, nos seus racks, pequenas gomas coloridas para esse efeito.

“As matrizes semi-sólidas versáteis incorporam compostos bioativos e permitem o doseamento oral e a ingestão voluntária, com segurança e eficácia”, esclarece a investigadora responsável, Sofia Viana, que desenvolveu a invenção com o cientista Flávio Reis.
O projeto “HaPILLness” – Refinar o doseamento oral em animais de experimentação” resulta de uma parceria entre a Faculdade de Medicina da Universidade e o Instituto Politécnico de Coimbra e vai ao encontro da Diretiva Europeia sobre o Uso de Cobaias para Fins Científicos.
A equipa de Coimbra apostou no refinamento do procedimento de modo a reduzir ao máximo as limitações com que eram confrontados os investigadores e as cobaias: “Até aqui, o animal era contido e submetido a um procedimento muito invasivo e gerador de stresse, alterando variáveis orgânicas (batimentos cardíacos, hormonas de stresse na circulação, etc) que comprometiam os resultados”, adianta a docente do Instituto Politécnico de Coimbra.

Para usar o novo recurso não invasivo foi preciso adaptar as características das matrizes às preferências dos animais, que respondem sobretudo os sentidos do tato e do olfato: “No treino, introduzimos as matrizes, que funcionam como guloseimas, e sem qualquer principio ativo, até que aprendam a ingeri-las por completo.” Esta etapa é alcançada num período que vai de três a cinco dias. “Depois incorporamos os medicamentos nas matrizes e administramos.”
Até agora, foram doseados mais de 500 cobaias (em ratos e murganhos), saudáveis e doentes, com o propósito de avaliar o grau de eficácia de diversos fármacos – metformina, sitagliptina (antidiabéticos), pravastatina (para o colesterol), fluoxetina (antidepressivo), prednisolona (anti-inflamatório) são alguns exemplos – e de extratos naturais (pré e próbióticos).

Entre as doenças estudadas, destacam-se as renais, metabólicas e do sistema nervoso central. “Neste momento estamos a testar o doseamento oral de medicamentos em vários modelos de doença para perceber se existe alguma em que esta metodologia não seja viável”, adianta.
Há dois anos, a inovação foi premiada pela European Partnership for Alternative Approaches to Animal Testing (EPAA), um consórcio que integra a União Europeia e stakeholders da indústria farmacêutica, química, alimentar e biotecnológica e que pretende estimular a implementação dos 3Rs (Replacement, Reduction, Refinement) na experimentação laboratorial.
Este marco representou um ponto de viragem e a abertura de novos horizontes: “Começámos a ser contactados por várias empresas e academias que mostraram interesse em usar as nossas matrizes.”
Agora, a equipa tem uma parceria com o BIOCANT – Parque Tecnológico de Cantanhede – e recebeu uma bolsa da Sociedade Portuguesa de Neurologia para estudar a administração de fármacos para a esclerose múltipla.
O investigadores contam ainda com um financiamento do INOVC+ (Ecossistema de Inovação Inteligente da Região Centro), e estão interessados em “provar os benefícios das matrizes no foro imunológico das cobaias, que fica comprometido pelo método da gavagem, indutor de stresse.”
Com a meta de aliar Ciência e bem-estar animal e de transferir a tecnologia para a sociedade, Sofia Viana acrescenta: “Esperamos ver este método patenteado até final do ano e queremos fazer um produto que seja comercializável.”
Num futuro próximo, esta inovação pode vir a ter outras aplicações fora do laboratório, ou seja, em animais domésticos como cães ou gatos, aliviando o dilema da dosagem de medicamentos de toma oral.