“Na primeira consulta, o médico disse à minha mãe que eu só tinha 30 % de probabilidade de sobreviver e nem liguei, apenas chorei quando me disse que tinha de deixar de jogar futebol”. Fábio Vicente foi, aos 14 anos, diagnosticado com um cancro maligno raro conhecido por Sarcoma de Ewing, que se desenvolve, maioritariamente, nos ossos, mas também nos tecidos moles (músculos e cartilagem).
Nessa altura, conta à VISÃO, não tinha “noção da gravidade” do seu problema e das possíveis consequências do processo de tratamentos a que seria submetido. “Felizmente”, o padrinho, que é ginecologista, ligou-lhe dias antes de iniciar o primeiro ciclo de quimioterapia. “Disse que queria ir comigo ao IPO, falar com o meu médico”, lembra Fábio Vicente.
E assim aconteceu: o tratamento foi, a pedido do padrinho, adiado uma semana para que, durante esse tempo, fossem realizadas análises ao esperma de Fábio Vicente e se percebesse se havia viabilidade para a recolha e o armazenamento de espermatozoides. A recolha foi feita na Maternidade Alfredo da Costa antes do início do tratamento de quimioterapia e essa decisão tornou-se “uma das mais importantes” da sua vida: 16 anos depois do diagnóstico, Fábio Vicente conseguiu ter o seu primeiro filho, agora com 7 anos.
“A minha mulher estava a par deste assunto desde o início do nosso namoro. Fizemos a inscrição no Santa Maria e estivemos cerca de um ano em lista de espera até começarmos a fazer o tratamento”, conta. Depois de duas tentativas sem sucesso, o casal recorreu novamente ao padrinho de Fábio para saber qual seria a hipótese de ser utilizado um novo medicamento que tinha sido apresentado num congresso internacional em que tinha participado. “A resposta do Hospital de Santa Maria foi positiva e avançámos para a utilização desse medicamento, que deu o resultado desejado por todos, a gravidez do Lourenço”, diz Fábio.
A preservação da fertilidade é uma opção não apenas para os doentes oncológicos, em que se realiza a recolha e armazenamento – através do congelamento – de células reprodutivas do homem ou mulher, de maneira a que possam ser utilizadas no futuro, caso não seja possível desenvolver uma gravidez de forma natural. “Atualmente, dispomos de metodologias laboratoriais eficazes para criopreservar óvulos e espermatozoides”, explica à VISÃO Teresa Almeida Santos, Coordenadora do Centro de Preservação da Fertilidade do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).
Técnicas deste tipo permitem aos doentes oncológicos jovens que necessitam de realizar tratamentos que podem resultar em infertilidade “poupar” as suas células reprodutivas ao efeito da quimioterapia ou da radioterapia, afirma a médica. E apesar de a criopreservação de óvulos ou espermatozoides não garantir a 100% uma gravidez no futuro, é uma salvaguarda para os doentes, no caso de o tratamento ou a própria doença provocarem infertilidade.
Quando a resposta foi sempre ‘não”‘ soube que já não havia nada a fazer para poder preservar a fertilidade
Sara Gaspar
Sara Gaspar não conseguiu criar esse plano B. Aos 22 anos, foi diagnosticada com um carcinoma seroso de baixo grau no ovário direito. Quando realizou exames mais detalhados, soube que parte do útero e o outro ovário já estavam comprometidos e, por isso, a melhor opção seria fazer uma histerectomia, neste caso de remoção do útero e ovários. “Fiquei sem chão, como se estivesse no fundo de um poço e não houvesse uma única luz de esperança”, conta. “Por um lado, estava muito assustada com a doença em si, tanto que a primeira coisa que pensei foi que iria morrer. Por outro lado, havia a questão da fertilidade”.
Sara abordou a questão da possibilidade de recorrer ao congelamento de óvulos, mas já não foi possível realizar o procedimento devido ao estado avançado da sua doença. “Mesmo com um “não”, decidi pedir outras opiniões, nacionais e internacionais, e quando a resposta foi sempre “não”, soube que já não havia nada a fazer para poder preservar a fertilidade”, diz. Sara Gaspar tem, agora, 25 anos, e a adoção é uma das opções que estão em cima da mesa, tal como a gestação de substituição, cuja lei aguarda, ainda, regulamentação.
Infertilidade não é uma certeza nos doentes oncológicos, mas é importante saber que hipóteses existem
Quando se recebe um diagnóstico de cancro, a preservação da fertilidade não é, muitas vezes, uma prioridade para os doentes. Os tratamentos feitos no combate ao cancro podem ter um grande impacto na saúde reprodutiva e, por isso, é essencial que estes doentes sejam informados sobre os riscos que correm.
Teresa Almeida Santos explica é “difícil prever com exatidão” a probabilidade de uma pessoa com cancro ficar infértil após os tratamentos, já que depende de vários fatores, como a idade, o tipo de fármacos utilizados e a suscetibilidade própria de cada uma, por exemplo.
“No entanto, a redução da fertilidade é uma realidade após o tratamento oncológico pelo que todas as sociedades científicas recomendam que seja fornecida aos doentes oncológicos em idade reprodutiva informação sobre o risco de infertilidade e que aqueles que o desejam sejam referenciados para um médico especialista que fará o acompanhamento individual”, afirma ainda a especialista.
Fábio Vicente não tem qualquer dúvida relativamente à importância de uma pessoa com cancro fazer a preservação da sua fertilidade, caso seja possível. “Hoje tenho o meu filho lindo, que é o bem mais precioso da minha vida. Aconselho, sem dúvida, todas as pessoas que vão iniciar um ciclo de quimioterapia a fazerem a recolha do esperma antes, para terem o futuro resguardado, porque nada garante que vão conseguir ter filhos depois da quimioterapia”, remata.
De acordo com Teresa Almeida Santos, a discussão relativamente ao risco de infertilidade como consequência de um cancro ou dos tratamentos “tem vindo a ser cada vez mais frequente, à medida que os médicos oncologistas também possuem mais informação sobre este efeito adverso dos tratamentos e sobre a possibilidade de o mitigar”.