41 milhões. É este o número médio de mortes anuais devido a doenças crónicas não transmissíveis, incluindo as cardiovasculares, respiratórias e cancro, por exemplo, e a sua dimensão levou as Nações Unidas a incluí-las como desafio na sua Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. Daquele valor, mais de 15 milhões das vítimas mortais têm entre 30 e 69 anos e os problemas cardiovasculares são, “de longe” – nas palavras do cardiologista Ricardo Fontes-Carvalho – os que mais matam.
Só em Portugal, as doenças cardiovasculares são a maior causa de morte e as mulheres são mais afetadas do que os homens. De acordo com dados da Direção-Geral da Saúde, 1 em cada 3 portugueses morre de uma doença cardiovascular, cerca de 35 mil por ano, ou seja, mais do que as mortes de todos os cancros em conjunto.
Apesar de o acidente vascular cerebral ser uma das doenças cardiovasculares com maior impacto em Portugal – é um dos países europeus com maior incidência de AVC – o médico, que é diretor do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho, alerta, em declarações à VISÃO, para outra doença com cada vez mais consequências no nosso País e que classifica como “uma das principais “epidemias” do século XXI”. “Estimam-se que existam já cerca de 400 mil pessoas com insuficiência cardíaca em Portugal, uma doença muitas vezes menorizada e negligenciada pela sociedade, mas que tem um enorme impacto na qualidade de vida dos doentes”, afirma Fontes-Carvalho. Esta é a principal causa de hospitalização dos doentes com mais de 65 anos e, ao fim de cinco anos, cerca de 40% das pessoas com esta doença acabam por morrer.
Contudo, a taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares em Portugal reduziu, na última década, cerca de 20%, e isto aconteceu, de acordo com o médico, devido “às novas técnicas de diagnóstico e tratamento da doença, da melhoria do controlo da hipertensão arterial, dos valores de colesterol e das leis de cessação tabágica”. Ainda assim, Fontes-Carvalho alerta para a necessidade de “continuar este caminho” e começar a dar-se prioridade à “melhoria do diagnóstico, tratamento e organização dos cuidados em torno da insuficiência cardíaca”.
Doença cardiovascular não é uma inevitabilidade
O estilo de vida e a presença ou não de fatores de risco, como a hipertensão arterial, a obesidade e a diabetes, por exemplo, condições que, no País, registam taxas muito elevadas, podem ditar o desenvolvimento de um problema cardiovascular.
E embora nos assuste pensar na possibilidade de termos um problema cardiovascular, é muito provável conseguirmos evitá-lo ou ultrapassá-lo, assegura Fontes-Carvalho. “A sociedade assume a doença cardiovascular quase como uma inevitabilidade, mas esta conceção é errada, já que é em 80% dos casos evitável, prevenível ou tratável, desde que seja identificada precocemente”, afirma o especialista, acrescentando que não se pode “descurar a prevenção cardiovascular, comendo de forma saudável e praticando exercício físico”.
Além disso, o médico esclarece que, caso surjam “sintomas sugestivos de doença cardiovascular, como dor no peito, falta de ar, desmaios ou “pernas inchadas”, as pessoas não devem deixar de procurar ajuda médica e não podem adiar tratamentos”. “A vida da pessoa pode depender desta ajuda e da prestação de cuidados atempados”, diz ainda.
A hipertensão arterial, o colesterol elevado e a diabetes são alguns dos principais fatores de risco cardiovasculares e “não se sentem”, ressalva o médico, por isso é importante medir várias vezes a pressão arterial e fazer análises regularmente.
Impacto também nas contas nacionais
Em Portugal, o impacto económico da insuficiência cardíaca é muito elevado: de acordo com um estudo de 2019, publicado na Revista Portuguesa de Cardiologia, os custos da insuficiência cardíaca no País já chegavam, então, aos 400 milhões de euros anuais, e estima-se que o valor aumente para 500 milhões, na próxima década. “É urgente organizar os cuidados em torno da insuficiência cardíaca em Portugal e os modelos de financiamento da doença cardiovascular, que devem ser centrados no doente e na melhoria dos resultados clínicos”, defende Fontes-Carvalho.
O médico fala ainda da urgência em garantir um “acesso generalizado a técnicas e tratamentos inovadores, como o tratamento percutâneo, ou seja, por cateterismo, das doenças das válvulas cardíacas, que tem listas de espera elevadíssimas” e melhorar as “redes de cuidados assistenciais na doença cardiovascular, diminuir as assimetrias entre o litoral e o interior e garantir uma melhor articulação com os cuidados de saúde primários”.
Além disto, todos nós podemos trabalhar, diariamente, na prevenção deste tipo de doenças, diz Fontes-Carvalho. “Só conseguiremos melhorar o impacto das doenças cardiovasculares se, em vez de investirmos no tratamento da doença, passarmos a apostar na promoção da saúde cardiovascular”, ao adotarmos estilos de vida mais saudáveis.