As dores de cabeça chegam a ser tão violentas que Maria Edite Rico, 65 anos, já não sabe mais o que fazer para controlar “aquela dor pulsátil, a sensação de ferida que arde e pica”. Agora, são-lhe administradas injeções de botox na cabeça enquanto a antiga professora espera “ansiosa” por um novo tratamento. “Há três anos que vivo o martírio diário de ter enxaqueca crónica. É como viver com sabor a bolacha de água e sal, porque a vida não sabe a nada, sempre com receio de acordar um dia pior do que o outro, sem poder fazer qualquer atividade”, começa por contar Maria Edite Rico, que teve de se aposentar devido à doença. Segundo Isabel Luzeiro, presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia e neurologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, “a enxaqueca é uma cefaleia crónica de causa desconhecida, com episódios de dor mais ou menos intensa, latejante, pulsátil, localizada numa parte ou total da cabeça”. Maria Edite Rico conta que sente “a cabeça tensa, dores pulsáteis como se tivesse o coração a bater dentro da cabeça e, por vezes, uma aura”. Entre os sintomas mais comuns estão ainda a sensibilidade à luz, que se chama fotofobia, e ao barulho, denominada fonofobia, náuseas ou vómitos, dores nos ombros e dificuldade em mexer a cabeça. Podem aliviar com o repouso. Mas não é o caso de Maria Edite Rico, que viu a doença virar-lhe a vida do avesso. Nos piores dias, a antiga professora não sai da cama, isola-se no escuro e sem o mínimo ruído. “É um martírio ter uma doença tão limitadora e incapacitante no meu quotidiano. Fico sem energia e forças no corpo para reagir”, lamenta. A dor tem um forte impacto no dia a dia ao ponto de não poder programar férias ou outras atividades com familiares e amigos.
Viver em sobressalto
A professora vive em sobressalto sem saber quando uma crise será pior do que a outra. Depende de como acorda: com uma dor mais ou menos intensa, que a pode obrigar a ficar dias a fio de cama. “Passei, então, a organizar a vida em função da intensidade das enxaquecas. Por vezes, o meu marido vê-me com melhor cara e até pergunta: ‘Hoje não tens dores de cabeça?’ Eu respondo, com algum sentido de humor: ‘No dia em que deixar de ter, aviso-te.’ E rio-me.”
Maria Edite Rico já perdeu a conta às vezes que correu médicos e os tratamentos que já fez para tentar aliviar as “terríveis” dores que lhe apareceram em 2006, coincidindo com a menopausa. Desde analgésicos, passando pelos anti-inflamatórios, triptanos, antidepressivos, até aos anticorpos monoclonais já experimentou de tudo. Nada parecia resultar até à administração trimestral das injeções da toxina botulínica em 31 pontos definidos no couro cabeludo, apesar de continuar ainda a ter alguma dor. “O objetivo é que os doentes tenham uma melhor qualidade de vida”, sublinha a médica Isabel Luzeiro, corroborada pela neurologista Andreia Costa, da consulta de cefaleias do Hospital de São João: “A injeção da toxina botulínica resulta em melhoras ao nível da frequência, duração e intensidade das enxaquecas, porque vai modular as vias responsáveis pela dor e, por consequência, aliviar a dor. Os doentes relatam ter menos crises.” A realidade é que, nota, por sua vez, Isabel Luzeiro, “há doentes que respondem melhor a uns medicamentos do que a outros e também depende da intensidade da dor”. Nesta equação, também pesam os benefícios e riscos de cada um dos possíveis tratamentos.
Depois de ter estado de baixa médica em 2012, a antiga professora ainda conseguiu terminar esse ano letivo, mas as dores eram tão intensas e tinham tanto impacto no seu quotidiano que, dois anos depois, teve de se aposentar. “Encolhia os ombros e ficava com a omoplata e a cervical muito tensa.” Agora, desabafa, “é viver um dia de cada vez” e conta, para isso, com o apoio de familiares, amigos e da MiGRA Portugal – Associação de Doentes com Enxaquecas e Cefaleias.
Os 10 melhores tratamentos para a dor de cabeça
O martírio da cefaleia tipo tensão
Também Rosa Frutuoso, 47 anos, de Guimarães, se queixa do grande impacto que a cefaleia tipo tensão tem na sua vida ao ponto de lhe “causar grande sofrimento” e influenciar a rotina diária. Agora, tem a doença mais controlada graças ao tratamento anestésico local (lidocaína) que a neurologista Andreia Costa lhe injeta nos nervos específicos da parte de trás da cabeça, durante a consulta de cefaleias no Hospital de São João. “Este tratamento é eficaz no alívio agudo da dor de cabeça. Mas também pode ser usado como preventivo”, explica a médica, referindo que a cefaleia tipo tensão é o tipo de dor de cabeça mais comum, seguida da enxaqueca.
“Apesar de sentir dor e incómodo com a picadela e o líquido a entrar na cabeça, todo este sofrimento compensa bastante, porque me liberta do martírio que vivo há mais de dois anos”, sublinha a costureira. “Passo muito melhor aquele mês em que a doutora me injeta com uma seringa a anestesia, nos dois lados da nuca, à semelhança do que os dentistas fazem na boca quando vamos tratar um dente”, descreve Rosa Frutuoso. “Agora, sinto um enorme alívio, porque posso ter uma vida quase normal com dores apenas duas a três vezes por mês.” O que antes não podia, porque “tinha cefaleias horríveis que obrigavam a isolar no escuro, em casa, por causa da sensibilidade à luz e não segurava a cabeça e o pescoço”, recorda. “Parecia que tinha um alicate a apertar e que me estavam a esmagar a cabeça.” Tinha tantas dores, tonturas, náuseas e vómitos que passava dias seguidos de cama, sem poder trabalhar. Até lhe ser diagnosticada a cefaleia tipo tensão, Rosa Frutuoso fez uma catrefada de exames médicos no hospital, desde ressonância magnética até à TAC (tomografia computorizada).
“Ainda ontem tive uma dor de cabeça forte. Hoje acordei com aquela sensação de pisado, cabeça oca, um bocadinho à toa, confusa. Parece que me sinto perdida nessas alturas.”
Existem, contudo, algumas estratégias que o doente pode adotar para diminuir as crises de enxaquecas, cefaleias tipo tensão e outras dores de cabeça, por exemplo, a prática de exercício físico, uma boa higiene de sono e uma alimentação saudável e equilibrada. Assim como evitar determinados alimentos que sabe que têm uma relação mais direta com a enxaqueca como citrinos, queijo ou vinho tinto.
Os diferentes tipos de dor
Três neurologistas explicam quais são as principais dores de cabeça que existem e que podem ser episódicas ou crónicas
Enxaqueca
“É a segunda cefaleia primária mais frequente, mas é muito importante pela elevada morbilidade e incapacidade que causa nos doentes”, realça a neurologista Andreia Costa. Segundo Isabel Luzeiro, presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia, a enxaqueca é uma cefaleia crónica de causa desconhecida, com episódios de dor mais ou menos intensa, latejante, pulsátil, localizada numa parte ou total da cabeça. Esta dor está associada a outros fatores, como sensibilidade à luz, que se chama fotofobia, e ao barulho, que se chama fonofobia, náuseas ou vómitos, dores nos ombros e dificuldade em mexer a cabeça. Pode aliviar com o repouso.
Cefaleia de tensão
É o tipo de dor de cabeça mais comum, segundo a neurologista Andreia Costa. Os doentes costumam descrever a cefaleia de tensão “como sendo um peso tipo capacete, uma fita a apertar a cabeça, uma dor aborrecida que vai moendo durante o dia, mas que não os impede de fazerem as suas atividades”, resume a neurologista Isabel Luzeiro. É uma dor muito associada ao stresse. Por norma, a cefaleia tensional pode estar relacionada com a tensão dos músculos. Podem ocorrer torturas quando há contração dos músculos do pescoço, mas sem vómitos.
Cefaleia em salvas
“A cefaleia em salvas é uma dor menos comum e que afeta mais os homens, em idade adulta, que começam a sentir uma dor muito intensa na região orbitária, supraorbitária e/ou temporal. Esta cefaleia pode durar entre 15 minutos a três horas”, descreve a neurologista Andreia Costa. A neurologista Isabel Pavão Martins, do Hospital de Santa Maria, acrescenta que “os doentes ficam enlouquecidos de dor, porque é muito violenta e difícil de aliviar”. Mais, alerta a neurologista Isabel Luzeiro: “É uma doença tenebrosa e há doentes que se suicidam. Queixam-se que acordam, durante a noite, com uma dor de cabeça horrível, que não conseguem controlar e que não alivia com a medicação habitual.”
Entre os sintomas mais comuns estão o olho vermelho, lacrimejo, congestão nasal, rinorreia, edema pálpebra e agitação, descreve a médica Isabel Luzeiro. As crises são, assim, sobretudo noturnas, ocorrem mais na primavera e no outono. “Pensa-se que tem que ver com os estilos de vida e são sobretudo os grandes fumadores que têm essa dor de um lado de cabeça que é considerada das piores e que acorda a pessoa durante a noite”, nota Isabel Pavão Martins
Nevralgia do trigémeo
É uma dor localizada nos trajetos do nervo do trigémeo que é sentida como um choque elétrico, persistente, tipo formigueiro ou queimadura. “É uma dor de cabeça que afeta a cara de um lado, na região malar ou na região da mandíbula, ou seja, na parte debaixo do maxilar, e tem a característica de ter uns choques elétricos”, resume a neurologista Isabel Pavão Martins. A responsável pela consulta de cefaleias do Hospital de Santa Maria nota que “é uma dor muito intensa e violenta e, por isso, às vezes, as pessoas não conseguem falar nem comer”. “ A dor resulta de uma estimulação do nervo trigémeo que é o mesmo que os dentistas anestesiam quando fazem um tratamento”, acrescenta. Já a neurologista Andreia Costa sublinha que “esses choques elétricos podem ser espontâneos ou despertados por estímulos, como barbear, mastigar ou até escovar os dentes”. Mais, esclarece: “A causa mais comum é a existência de uma artéria que se encontra encostada ao nervo e o deforma, provocando a dor que costuma afetar sobretudo indivíduos após os 50 anos.”