Segundo o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, entre 80% e 90% dos diagnósticos de cancro do pulmão estão relacionados com o tabagismo. Mas nem todos os fumadores acabam com cancro do pulmão. De facto, em Portugal estima-se que entre 100 fumadores de uma vida inteira – dos 18 aos 80 anos – apenas 15% terão um diagnóstico de cancro do pulmão, disse Nuno Gil, Diretor da Unidade de Pulmão da Fundação Champalimaud, numa entrevista em 2021.
“Quem fuma está mais propenso a ter cancro do pulmão, mas fumar por si só não é uma razão suficiente para se ter a doença: os restantes 85% dos fumadores nunca irão desenvolver cancro do pulmão. E isso levanta questões intrigantes: qual é o seu segredo?”, questiona o médico oncologista.
Um novo estudo da Albert Einstein School of Medicine, em Nova Iorque, pode ter encontrado uma resposta. O estudo, publicado no jornal académico nature genetics, sugere que alguns fumadores podem desenvolver mecanismos de defesa que permitem limitar a progressão de mutações nas células do pulmão, baixando, dessa forma, o seu risco de desenvolver cancro.
O ato de fumar gera mutações nas células saudáveis do pulmão, o que aumenta o risco de cancro. Os dados de todos os estudos médicos, incluindo este da Albert Einstein School of Medicine, revelam uma clara correlação entre a quantidade de cigarros fumada por dia e o nível de mutação nas células dos pulmões.
Os cientistas de Nova Iorque utilizaram um método inovador, conhecido pela sigla em inglês SCMDA, que permite distinguir com mais precisão as mutações celulares. O método foi empregue para comparar os pulmões de 14 pessoas que nunca fumaram, com idades entre os 11 e os 86, com os de 19 fumadores, com idades entre os 44 e os 81. No caso dos fumadores, o único requisito para a seleção foi a quantidade de cigarros fumada ao longo da vida, que não podia exceder os 116 “anos-maço” – o equivalente a fumar um maço por dia durante 116 anos.
Teoricamente, quanto mais “anos-maço”, maior é a quantidade de mutações nas células do pulmão. Contudo, Simon Spivak, o investigador principal, observou no seu estudo um fenómeno curioso e paradoxal: após 23 anos a fumar pelo menos o equivalente a 1 maço por dia, a acumulação de mutações nos pulmões observados simplesmente parava.
“Os nossos dados sugerem que estes indivíduos podem ter sobrevivido tanto tempo, apesar de serem fumadores assíduos, porque conseguiram suprimir a acumulação de mutações”, diz Spivak. A explicação para esta realidade não é clara, mas o investigador explica que “este nivelamento das mutações pode decorrer de estas pessoas terem sistemas muito proficientes a reparar danos de ADN ou desintoxicar o fumo do cigarro”.
A principal aplicação prática desta descoberta pode passar pelo desenvolvimento de tratamentos que permitam detetar o risco de cancro do pulmão mais cedo. Isto seria possível através da determinação do nível de capacidade de cada pessoa para reparar danos no ADN das células do pulmão ou desintoxicar o fumo dos cigarros.
“Isto pode revelar-se um passo importante para a prevenção e deteção precoce do risco de cancro do pulmão, e assim evitaríamos os atuais esforços hercúleos necessários para combater a doença numa fase mais tardia, onde ocorre a maioria do sofrimento e das despesas de saúde”, conclui Spivak.