O que já era um risco ainda se agravou mais com os períodos de confinamento. Os videojogos foram e são a companhia de muitas pessoas, incluindo crianças e jovens, e há casos em que a situação se pode tornar preocupante. A VISÃO Saúde falou com o psiquiatra João Reis, do Hospital Lusíadas Lisboa, que explica quais os sinais de alerta, os efeitos do uso exagerado e o que se deve fazer. Veja as respostas do especialista.
Quais são os riscos dos videojogos?
Os videojogos são uma fonte de entretenimento muito disseminada atualmente e na maior parte das pessoas, mesmo que jogados frequentemente, não configuram uma utilização problemática.
Os riscos de forma muito resumida são a possibilidade de desenvolvimento da chamada “perturbação de utilização de videojogos” (gaming disorder) ou “uso problemático de videojogos” em que, mais do que uma utilização excessiva, começa a ocorrer sofrimento psíquico, dificuldades em parar e diversificar fontes de estímulo, quebra do rendimento laboral ou académico e afastamento progressivo de atividades sociais ou familiares.
Outro risco é que grande parte dos jogos têm uma componente social muito pouco regulada em termos de supervisão parental havendo por isso risco de solicitação sexual, abuso psicológico (ciberbullying) e manipulação de crianças e jovens vulneráveis.
Quando se considera que pode haver vício?
Não se utilizando o termo vício atualmente, o termo que mais se aproxima, e o quadro mais grave associado aos comportamentos aditivos que podemos encontrar, é a “dependência”. Sintomas de dependência grave associada aos videojogos são bastante raros comparando com a dependência de drogas, mas estão descritos. E são: compulsão em relação ao estímulo que provoca recompensa apesar de consequências negativas, modificações do humor e sintomas de privação.
Para se considerar uma perturbação de utilização de videojogos deve estar presente uma combinação dos seguintes sintomas: ocupação do espaço mental com determinado jogo ou assuntos relacionados (estreitamento do campo de interesses), sintomas de privação (tristeza, irritabilidade, ansiedade quando impossibilitado de jogar), incapacidade de parar apesar de o tentar fazer ativamente (só surge em casos arrastados no tempo), desistência de outras atividades em que tinha interesse previamente, continuar a jogar apesar de estar a ter problemas relacionados com o jogo, enganar familiares ou subvalorizar o tempo que se passa a jogar, utilização do ato de jogar para alívio de sintomas de humor negativos como tristeza, preocupações ou culpa, pôr em risco relacionamentos ou perder oportunidades laborais devido à utilização excessiva de videojogos.
Quais os efeitos do excesso?
Habitualmente ocorre cansaço pela diminuição do tempo de sono, dificuldade em concentração noutras tarefas, alterações de humor como irritabilidade ou tristeza excessiva e angústia quando existem tentativas infrutíferas de parar.
O médico diz que os jovens não devem jogar nas “duas horas antes de deitar ou até mesmo depois da hora de jantar”
Quais os sinais de alerta de que algo está mal?
Os primeiros alertas normalmente são dentro do seio familiar e conjugal numa altura em que pessoas próximas tentam abordar o problema e se confrontam com desvalorização ou negação pelo próprio. Por vezes são detetadas mentiras relacionadas com os videojogos, sempre com o intuito de jogar mais.
Como lidar com este tema?
A forma como se lida com o problema depende da maturidade da pessoa em causa. De um modo geral, a utilização de videojogos não deve ser promovida nas crianças e nos jovens pela dificuldade no autocontrolo do tempo de jogo e ser um hábito sedentário. Deve ser enquadrado como uma cedência parental, negociado conforme o atingimento de objetivos definidos em conjunto pelos pais e jovens e sempre limitado no tempo. As atividades académicas, como trabalhos de casa ou obrigações domésticas, devem ser feitas antes de começar a jogar, e os jovens não devem jogar nas duas horas antes da hora de deitar ou mesmo depois da hora de jantar.
Qual o tempo recomendado para jogar?
Não sendo uma atividade recomendada, as orientações da OMS indicam que crianças com menos de 2 anos não utilizem dispositivos tecnológicos, dos 2-5 anos utilizem até 1h/dia e a partir dos 6 anos possam utilizar mais tempo, desde que com limites, de forma consistente e supervisionados pelos pais.
Já na perspetiva patológica e especificamente relacionada com os videojogos, os estudos encontram correlação com os sintomas descritos na perturbação de uso de videojogos a partir das 6h/dia.
Qual o impacto na saúde física e mental?
Na saúde física, há uma relação estabelecida com obesidade, insónias e outras alterações do sono, patologia osteoarticular. Na saúde mental, há correlação com depressão, ansiedade, ansiedade social. Parece também potenciar dificuldades de comunicação, impulsividade e dificuldades nas relações familiares.
Os 8 sintomas
Para se considerar uma perturbação de utilização de videojogos deve estar presente uma combinação dos seguintes sintomas
- Ocupação do espaço mental com determinado jogo ou assuntos relacionados (estreitamento do campo de interesses)
- Sintomas de privação (tristeza, irritabilidade, ansiedade quando impossibilitado de jogar)
- Incapacidade de parar apesar de o tentar fazer ativamente (só surge em casos arrastados no tempo)
- Desistência de outras atividades em que tinha interesse previamente
- Continuar a jogar apesar de estar a ter problemas relacionados com o jogo
- Enganar familiares ou subvalorizar o tempo que se passa a jogar
- Utilização do ato de jogar para alívio de sintomas de humor negativos como tristeza, preocupações ou culpa
- Pôr em risco relacionamentos ou perder oportunidades laborais devido à utilização excessiva de videojogos