Um estudo publicado, no inicio do ano, pela American Chemical Society, avaliou a probabilidade que temos em contrair Covid-19, consoante nos encontremos com ou sem máscara, em contacto breve ou prolongado com o infetado, ao ar livre, num espaço fechado ventilado ou num espaço fechado mal ventilado.
A grande novidade do estudo é que, pela primeira vez, conseguiram-se reproduzir, em laboratório, condições muito próximas da realidade, relativamente à humidade, temperatura, raios UV e as formas em que as diferentes ações movem o ar.
Quando o ar sai das nossas bocas, não sai em linha reta e comporta-se de forma diferente consoante falemos, cantemos ou arfemos pesadamente. “Chama-se a isto turbulência de fluídos e de ar e eram esses efeitos que ainda não eram conhecidos na propagação da Covid”, explica o especialista em Saúde Pública da Universidade Católica de Lisboa, Henrique Lopes.
Se até agora sabia-se que apanhar Covid-19 não dependia apenas do facto de contactarmos com um infetado, mas da concentração viral que existia nesse momento, o estudo veio prová-lo laboratorialmente.
Olhando os resultados do estudo é possível ver que, por exemplo, se estivermos na presença de um infetado, calados, mas sem máscara, durante um tempo prolongado e num ambiente mal ventilado, temos 14% de probabilidade de apanhar a doença. Já a mesma situação, mas durante pouco tempo e com o uso de máscara, faz cair o número para 1,6%.
“Há muito aquela imagem que estamos ao pé de uma pessoa infetada e corremos o risco muito grande de ficar doentes. Isto é e não é verdade”, defende Henrique Lopes. E explica: “Imaginando que uma pessoa deita cerca de mil vírus cada vez que respira, se tal ocorrer numa sala que tem 20 metros cúbicos, ao fim de meia hora, tenho cerca de 100 vírus por metro cúbico, mas se se passar ao ar livre, com milhões de metros cúbicos, terei um ou dois vírus por milhão de metro cúbico”.
Apesar de não se saber ainda a quantidade de vírus necessária para se contrair a infeção, Henrique Lopes assegura que “um ou dois não chegam” e que quem se encontrar com um infetado no segundo cenário, “tem uma probabilidade de apanhar a doença muito menor, além de o seu sistema imunitário ter uma capacidade muito maior de lidar com essas cargas virais muito baixas”.
Ginásios e escolas deviam ser bem ventilados
Da mesma forma que, ao falar, mexemos o ar de forma diferente de quando cantamos, o mesmo acontece quando fazemos exercício físico.
Os ginásios foram várias vezes indicados como focos de contágio, mas Henrique Lopes, e o novo estudo, mostram que “não queria dizer que aquelas pessoas tinham menos cuidados, apenas que moviam o ar de forma diferente”.
Uma pessoa que faça exercício intensivo expele o ar com muita força, além de expelir cerca de litro e meio de ar em comparação com o meio litro que expiramos quando respiramos normalmente. “Portanto, a quantidade de ar com carga viral que se emana quando se faz exercício pesado é muito grande”.
É assim muito importante que a ventilação dos espaços não seja feita através de ar condicionados que utilizam a re-circulação de ar, mas através de sistemas com filtros HEPA (alta eficiência na separação de partículas). “Por isso é que há mais casos em restaurantes do que em aviões”, explica Henrique Lopes.
Um espaço bem ventilado é então, segundo o especialista em Saúde Pública, um local que possua “qualquer coisa que promova o aumento de metros cúbicos de ar”. Podem ser as janelas abertas, uma janela e uma porta a fazer corrente de ar, um ar condicionado com filtro HEPA ou um ar condicionado semelhante aos dos aviões e hospitais, que além de filtros ultra HEPA têm também uma câmara por onde o ar passa, munida de luzes ultra violeta purificadoras.
Além de aviões e hospitais, onde este tipo equipamentos mais sofisticados já existe, Henrique Lopes considera que seria interessante tê-los nos ginásios e, eventualmente, em escolas, locais onde trabalham professores, “uma das classes profissionais que fala mais alto”.
Probabilidade de contágio em empresas
Quanto às empresas, a probabilidade de alguém apanhar Covid, caso o espaço seja bem ventilado, seria de 0.91%, caso estejam todos calados, “como acontece muitas vezes”, e com máscara. Se houver conversa, a percentagem sobe para 4,5% e caso as máscaras sejam “esquecidas” em cima da mesa, a probabilidade de contágio aumenta para 2,6%, em silencio, e 12%, quando há conversa.
O estudo publicado no início do ano foi realizado com base em dados recolhidos em setembro de 2021 e Henrique Lopes alerta para o facto de, apesar de este ser o estudo mais recente e com dados mais detalhados, não considera ainda a variante Omicron. “É provável que estas percentagens sejam mais altas com a Ómicron”.
“Uma doença endémica não é menos grave nem exige menos medidas que uma doença pandémica”
Perante a evidência comprovada pelo estudo publicado pela American Chemical Society, Henrique Lopes reflete sobre o futuro do trabalho, da organização das empresas e da adoção, ou não, e por quanto tempo, de turnos de trabalhadores, no nosso país. “Infelizmente, foi uma questão que não foi levantada durante a campanha eleitoral e está relacionada com aquilo que se entende por endemia”, afirma Henrique Lopes.
O facto de uma pandemia estar a tornar-se endémica não deve, querer dizer, segundo o especialista, que devemos voltar a fazer tudo como fazíamos no passado. “Um erro perigosíssimo para o país é assumir que, com a endemia, levanta-se tudo e volta-se ao antigamente”.
É certo que, quando uma pandemia passa a ser endémica, quer dizer que veio para ficar. Porém, “o SARS-CoV-2 está endémico, mas, simultaneamente pandémico, porque não é ainda estável. Ou seja, o número de casos que aparece não é igual ao que desaparece”.
Além disso, Henrique Lopes sublinha que “uma doença endémica não é menos grave nem exige menos medidas que uma doença pandémica”. Basta pensar na Malária, na SIDA, nos cancros de origem viral ou na Hepatite C. “Não nos passa pela cabeça não combater estas doenças só porque estão endémicas”, defende o especialista.
Na incerteza do que será o futuro, o especialista em Saúde Pública considera que, por agora, “se calhar, o governo devia olhar para os gráficos de instituições como o Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME) para tentar perceber o que fazer com o país nos próximos três meses, e não olhar para o boletim da DGS para ver só como é que estão as enfermarias”.