O médico Rui Dinis, diretor do Serviço de Oncologia Médica do Hospital do Espírito Santo de Évora, explica o que corresponde à realidade e o que são apenas ideias erradas que circulam há anos.
Há alimentos que provocam cancro?
Verdade. Vários alimentos são promotores de cancro, agredindo as nossas células e desencadeando um conjunto de reações químicas inflamatórias e mutações genéticas, degenerando para cancro. Entre todos identificados ou fortemente suspeitos, destaco os que devemos evitar consumir regularmente: carnes e peixes fumados, ricos em nitrosaminas (responsáveis por cancro gástrico); açúcar refinado; farinhas brancas e óleos vegetais (exceto azeite virgem extra e óleo de amendoim), que estimulam inflamação e crescimento celular pela insulina e IGF; margarinas e gorduras hidrogenadas e gordura de animais oriundos de pecuária intensiva, demasiado ricos em ómega-6 e pobres em ómega-3. Ao contrário, muitos vegetais e algumas frutas contrabalançam os mecanismos inflamatórios e protegem-nos do cancro.
Os adoçantes provocam cancro?
Mito. Não há evidência científica suficiente que sustente que os adoçantes não sejam seguros em doses moderadas. Apesar de maioritariamente sintéticos, apenas o aspartame se revelou tóxico numa doença hereditária chamada “fenilcetonúria”, que afeta uma em cada dez mil pessoas e provoca a acumulação de fenilalanina em doses tóxicas. Existem alternativas naturais, como a stevia, mas o melhor mesmo é educar o palato e evitar adicionar açúcar ou adoçantes no leite e no café.
O cancro provoca esterilidade?
Mito. Raramente o cancro provoca diretamente esterilidade, mas muitos tratamentos podem causar direta ou indiretamente abolição ou diminuição da fertilidade, de forma definitiva ou temporária, como a cirurgia necessária de órgãos reprodutores, certas quimioterapias ou a castração médica utilizada em alguns tipos de cancros da mama ou da próstata. Quando se prevê que algum tratamento pode comprometer a fertilidade em idade jovem, e não está cumprido o planeamento familiar, são adotadas medidas preventivas, sendo a mais comum a criopreservação de ovócitos ou espermatozoides.
Os anticoncecionais químicos provocam cancro?
Os anticoncecionais hormonais atuais diminuem o risco dos cancros do endométrio (no útero) e do ovário em até 50%, mesmo após o seu abandono, mas parecem aumentar ligeiramente o risco de cancro da mama, sobretudo se associados a menarca (início de menstruação) precoce e nuliparidade (quando nunca teve filhos biológicos). Acrescente-se que, enquanto para o cancro da mama existe rastreio organizado, para os primeiros não existe, o que deixa empatados benefícios e riscos.
O álcool provoca cancro?
Verdade. Apesar de socialmente tolerável, mesmo a ingestão moderada de bebidas alcoólicas provoca cancro (além de várias outras doenças físicas e psiquiátricas). Pelo menos 5% das mortes por cancro são causadas pelo álcool, não apenas cancro do fígado (a partir de cirrose) mas também, por agressão direta das mucosas pelo acetaldeído, cancro da cavidade oral, do esófago e do estômago, bem como da mama, por aumento de estrogénios, e mesmo do cólon, por redução da absorção do folato. O álcool não tem mesmo nada de imperial nem de fino.
O cancro da mama é exclusivo das mulheres?
Mito. Um por cento dos cancros da mama afeta homens, que podem ter cancros mais agressivos ainda do que as mulheres. Pela sua raridade e possível associação a doença hereditária, sobretudo uma mutação patogénica do BRCA, esta é sempre pesquisada atualmente.
O cancro da próstata provoca impotência?
Muito raramente o próprio cancro. No entanto, os tratamentos do cancro da próstata – por cirurgia, radioterapia ou hormonoterapia – provocam frequentemente disfunção sexual, temporária ou definitiva, mas existem hoje vários meios de reabilitação cirúrgicos e médicos, o que contempla sempre o controlo de outros fatores concorrentes, como a diabetes mellitus, a obesidade ou a depressão.
O uso de telemóvel pode causar cancro?
Os estudos são contraditórios na associação do uso de telemóvel a cancro, nomeadamente a glioblastoma (um tipo de cancro cerebral grave), mas várias sociedades científicas aconselham prudência máxima no uso por crianças e limitação do número de horas em adultos, sugerindo, se o uso prolongado for necessário, sistemas de mãos-livres, que afastem os aparelhos do corpo humano. E, na dúvida, à noite, mantenha, por favor, o telemóvel afastado da cabeça.
Alimentos aquecidos ou cozinhados no micro-ondas provocam cancro?
Mito. Não está demonstrado que alimentos aquecidos no micro-ondas provoquem cancro, mas deve-se usar recipientes que não libertem os perigosos ftalatos, como os de vidros em vez dos de plástico (a não ser os apropriados, com rótulo de segurança).
Segundo o médico, o cancro é muito mais o resultado do que cada um vive “durante a vida do que do destino [traçado] à nascença”.
O cancro é hereditário?
Apenas 10% dos cancros são hereditários, ou seja, um em cada dez é causado por mutações germinais ou constitucionais, aquelas que estão inscritas no nosso ADN desde que nascemos. Por conseguinte, embora haja, por vezes, fortes relações familiares, 90% dos cancros são mesmo causados por fatores não hereditários, uns intrínsecos (como a idade, que propicia o erro na replicação celular) e outros externos (por exemplo, tabaco, álcool, radiações, ar ambiente e alimentos). Em conclusão, no cancro, somos muito mais fruto do que vivemos durante a vida (voluntária ou involuntariamente) do que do destino [traçado] à nascença.