Na semana passada, a Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla inglesa) anunciou que está a avaliar a eventual relação entre a vacina contra o SARS-CoV-2 desenvolvida pela Johnson & Johnson e a formação de coágulos sanguíneos, apesar de esta ainda nem sequer ter começado a ser injetada na Europa.
Agora, foi a vez de os reguladores norte-americanos seguirem o mesmo caminho, optando por suspender a administração da vacina, que já tinha sido aprovada nos Estados Unidos da América (EUA).
Portugal deveria receber mais de 30 mil doses esta semana, mas a Johnson & Johnson decidiu atrasar as entregas no bloco europeu, enquanto decorrem as investigações.
Também a AstraZeneca tem sido alvo de escrutínio devido aos raros casos de coágulos sanguíneos registados em pessoas que tomaram a vacina desta farmacêutica. Neste caso, já existem estudos que podem ajudar a explicar as causas destas reações adversas.
No final da semana passada, foram divulgadas duas investigações, ambas publicadas no The New England Journal of Medicine, de acordo com as quais, em casos muito raros, a vacina da AstraZeneca desencadeia a produção de anticorpos que ativam as plaquetas (células responsáveis pela coagulação do sangue) – e serão esses anticorpos os responsáveis pelos coágulos sanguíneos.
Nesses doentes vacinados, “encontraram-se anticorpos que se ligam a uma proteína das plaquetas, a PF4”, esclarece o investigador do Instituto de Medicina Molecular (iMM), Luís Graça. “Esta reação imunitária causa a ativação das plaquetas, o que contribui para o estado de trombose, ao mesmo tempo que provoca o consumo das plaquetas, deixando as pessoas mais suscetíveis a hemorragias”, explica o docente Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Assim, além das vítimas deste fenómeno raro sofrerem de tromboses, que noutras situações até podem ser causadas pelo aumento das plaquetas, neste caso, as pessoas registam, simultaneamente, uma diminuição das plaquetas, a que se chama de trombocitopenia, que aumenta o risco de hemorragia.
“A junção destes dois fenómenos pode dar origem à trombose do seio venoso cerebral ou à trombose das veias esplâncnicas”, acrescenta o investigador do iMM Miguel Prudêncio, líder de uma equipa de cientistas que está a desenvolver uma vacina contra a malária.
A trombocitopenia, através de mesmo mecanismo, também se verifica – com grande raridade – em doentes tratados com heparina, um medicamento anticoagulante utilizado em várias patologias.
As primeiras conclusões
O estudo alemão analisou 11 doentes, todos do sexo feminino, com idades entre os 22 e os 49 anos, que tinham sido imunizados com a vacina da AstraZeneca. As mulheres sofreram um ou mais coágulos, seis a 16 dias depois de serem vacinadas. Nove delas foram diagnosticadas com trombose do seio venoso cerebral (um coágulo que bloqueia uma veia do cérebro). Seis das onze doentes morreram.
Apesar de todas os participantes na investigação serem do sexo feminino, os responsáveis pelo estudo afirmam não ser possível concluir que as mulheres são mais suscetíveis a estas complicações.
Apesar de todas os participantes na investigação alemã serem do sexo feminino, não é possível concluir que as mulheres serão mais suscetíveis a estas complicações.
Os cientistas acreditam que haverá algum tipo de predisposição para desencadear este tipo de reação imunitária descontrolada mas, até agora, ainda não descobriram uma forma de prever quem terá uma maior probabilidade de produzir estes anticorpos.
Na Alemanha, foram detetados 40 casos destas tromboses em 1,4 milhões de pessoas inoculadas com a vacina da AstraZeneca. Os investigadores acreditam que, se não houvesse nenhum tipo de predisposição, e a vacina fosse a principal responsável por esta reação adversa, haveria muitos mais casos.
A esta condição, associada a coágulos sanguíneos e hemorragias, os cientistas alemães sugerem que se chame de trombocitopenia trombótica imune induzida por vacina.
Também os cinco pacientes analisados por investigadores noruegueses tinham elevados níveis de anticorpos capazes de ativarem as plaquetas. Um deles era do sexo masculino e os restantes do feminino, com idades entre os 32 e os 54 anos. Três não sobreviveram.
Prova de segurança
Luís Graça lembra que esta reação imunitária é apenas uma hipótese da causa das tromboses, uma vez que ainda não existe evidência científica que explique, cabalmente, estes efeitos secundários graves.
“Em janeiro, toda a gente estava muito preocupada com a segurança das vacinas face ao seu rápido desenvolvimento, mas estas interrupções da vacinação são uma demonstração de que mesmo os riscos muito baixos são levados a sério, o que nos deve tranquilizar a todos”, defende o médico.
Luís Graça e Miguel Prudêncio sublinham que estes episódios trombóticos apenas se têm verificado abaixo dos 60 anos, daí muitos países terem optado por limitar a administração da vacina da AstraZeneca a indivíduos acima desta idade, como é o caso de Portugal, mas também da Alemanha, Países Baixos, Filipinas e Espanha.
As ocorrências, sublinhe-se, são extremamente raras. Afinal, nos 34 milhões de pessoas inoculadas com a vacina da AstraZeneca na União Europeia, Reino Unido, Islândia, Noruega e Liechtenstein, registaram-se apenas 222 casos de coágulos sanguíneos associados a um baixo nível de plaquetas, ou seja, a incidência é de 1 em cada 100 mil vacinados.
A maior parte dos casos aconteceu nos 14 dias seguintes à injeção e envolveu, sobretudo, mulheres com menos de 50 anos.
No caso da vacina da Johnson & Johnson, a EMA decidiu dar início à investigação depois de se terem registado quatro casos de coágulos sanguíneos, um deles durante ensaios clínicos e os restantes nos EUA. Uma das quatro pessoas morreu.
Nos Estados Unidos, onde já foram administradas quase 7 milhões de vacinas da Johnson & Johnson, ocorreram seis casos de pessoas que desenvolveram complicações associadas a coágulos sanguíneos, cerca de duas semanas após serem imunizadas.
Os seis doentes afetados são do sexo feminino e estão na faixa etária entre os 18 e os 48 anos. Uma mulher morreu e outra está hospitalizada em estado grave.
A ministra da Saúde, Marta Temido, reforçou a confiança nas agências reguladoras, “sejam elas europeias ou outras autoridades, para continuarem a identificar eventuais reações adversas, para explicar com transparência, e para prosseguirmos naquilo que são os nossos planos de vacinação”.