A pergunta já foi feita vezes e vezes sem conta – e a explicação não é assim tão simples de entender como pode parecer à primeira vista. Vejamos o que explica a The Lancet. Antes de mais, deve ficar claro que a anunciada eficácia das vacinas é calculada com base em ensaios clínicos de ampla escala, testando o produto em dezenas de milhares de pessoas.
Depois, para poder comparar resultados, é preciso separar as pessoas em dois grupos. Um deles recebe a vacina em teste. O outro recebe um placebo, ou uma substância sem quaisquer efeitos terapêuticos. Depois, cada um prossegue a sua rotina diária, sendo regularmente monitorizados pelos cientistas, que avaliam se há casos de infeção nos dois grupos.
Nos ensaios da Pfizer/BioNtech, havia 43 mil participantes. No fim, 170 pessoas ficaram infetadas com Covid-19. É a forma como estes 170 casos se distribuem pelos grupos em análise que determina a eficácia da vacina. Se ficasse metade dos casos em cada um dos grupos – 85, portanto – queria dizer que havia igual possibilidade de ser infetado quer fosse vacinado quer não fosse, ou uma eficácia de 0 por cento. Se os casos registados fossem todos do grupo placebo e nenhum do grupo que levou a vacina, aí a eficácia seria de 100 por cento.
No caso em questão, foram identificados 162 casos no grupo que tomou o placebo e 8 no grupo que levou a vacina. Contas feitas, quer dizer que a vacina tem uma eficácia de 95 por cento. Agora, isto também não quer dizer que se 100 pessoas forem vacinadas há cinco que vão ficar doentes. O que quer dizer é que cada pessoa tem 95% de hipóteses de não adoecer sempre que for exposta ao coronavírus.
A eficácia das outras vacinas no mercado é avaliada da mesma maneira, mas é preciso ter depois em conta que as circunstâncias de avaliação de cada uma são diferentes. Ou seja, os ensaios clínicos de cada uma decorreram em fases diversas da infeção no mundo e em diferentes países. Além disso, ao mesmo tempo, apareciam outras variantes diferentes da inicial, que se tornaram imediatamente dominantes em países como o Brasil e a África do Sul, e revelaram mais infeciosas.
O caso das variantes
Na África do Sul, por exemplo, a maioria dos casos verificados durante os ensaios da vacina da Johnson & Johnson foram da variante B1 351, identificada inicialmente naquele país – e não a que decretou o início da pandemia. E mesmo assim, reduziu significativamente as infeções (64 por cento).
E isso, como explica a Medical News Today, relembra-nos que as condições ideiais criadas durante um ensaio clínico não refletem necessariamente o que acontece no mundo real – onde há a influência de uma série de outros fatores. Um deles é a saúde das pessoas que recebem a vacina: quaisquer patologias associadas podem afetar a eficácia da toma. Outro fator a ter em conta, e isso explica a preocupação com a ação das variantes, é que muitas vezes o agente patogénico causador da doença muda com o tempo. Sabemos que, por exemplo, que os vírus que causam a gripe são propensos a mutações que tornam as vacinas menos eficazes – daí que, anualmente, essa vacina seja atualizada com as estirpes mais prevalentes.
Há ainda quem defenda que a eficácia das vacinas não deve ser apenas avaliada pela capacidade de impedir a infeção, mas também pelo facto de, mesmo que haja contágio, a pessoa infetada não desenvolva doença grave que possa levar à hospitalização. “As vacinas não foram desenvolvidas para impedir a infeção. O objetivo das vacinas é reduzir os casos de morte e de necessidade de cuidados intensivos”, repetiu já, vezes sem conta, Pedro Simas, virologista do Instituto de Medicina Molecular (IMM). Algo que ouvimos também a outros peritos, como sublinhou à CNN Amesh Adalja, especialista em doenças infeciosas da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins, nos EUA.
Sabemos ainda, por exemplo, que a vacina tríplice – contra o sarampo, papeira e rubéola – tem desempenhos diferentes para cada doença: é 97% eficaz contra o sarampo e 88% eficaz contra a papeira, e cerca de 97% eficaz contra a rubéola. Já o caso da vacina da gripe, a eficácia estimada é de 40 a 60% – o que quer dizer que algumas pessoas não desenvolvem proteção total.
Mas entre um extremo, que é não haver infeção, e o outro, que indica morte, há vários cenários possíveis, desde doença sem sintomas, a sintomatologia media ou grave, e ainda impor a necessidade de hospitalização. Daí os peritos insistirem tanto que o objetivo da vacinação não é um cenário de covid-zero, mas que dê ao organismo a proteção suficiente para que não se desenvolva doença grave – e ter-se a sensação de ter apanhado apenas uma gripezinha. E isto é algo que todas as vacinas aprovadas fazem, independentemente da percentagem de eficácia apresentada. Ou seja, em nenhum dos ensaios feitos, com todas as vacinas atualmente no mercado, se verificaram casos de doença grave com necessidade de hospitalização ou morte. O que quer dizer, que as vacinas estão a funcionar na perfeição para aquilo que foram concebidas.
Além disso, a eficácia da vacina não só informa os cientistas do quanto se podem reduzir os novos casos de infeção em quem estiver imunizado, mas permite ainda determinar quantas pessoas precisam estar vacinadas para se alcançar a imunidade de grupo. Ou seja, significa que há um número suficiente de pessoas protegido contra a doença de forma a abrandar ou parar a propagação do agente patogénico – e que, nessa fase, mesmo quem não recebeu a vacina beneficia de proteção indireta.