Com o plano de desconfinamento anunciado na última semana pelo governo, os portugueses já veem uma luz ao fundo do túnel: em breve, as esplanadas reabrem e, uns dias depois, os restaurantes e cinemas e teatros, e espera-se que, aos poucos, os convívios com amigos voltem a fazer parte do dia-a-dia.
À partida, o futuro parece animador mas, depois de um ano de confinamento, – com algumas pausas pelo meio, é certo -, há quem se sinta nervoso por voltar a conviver com mais frequência. Os especialistas dizem que é normal, tendo em conta o tempo que se ficou privado de encontros, jantares e outros convívios, mas também pelo medo de se ficar infetado.
“Em confinamento, houve algumas variáveis que podíamos controlar, como o número de pessoas com quem nos relacionávamos e a higienização do nosso espaço. Sentíamos que tínhamos algum papel ativo na proteção contra a doença”, explica à VISÃO Ana Paula Trindade, psicóloga clínica na CLIPEDAM, na Amadora, Lisboa. O retomar da vida social, diz, vai fazer com que a variável “outros” apareça e é nesse momento que podem surgir a ansiedade e o nervosismo. “O comportamento dos outros nós não controlamos, daí sentirmo-nos mais vulneráveis”, esclarece a especialista.
“Na fase que estamos a atravessar, sentir uma ansiedade negativa é mais comum do que podemos pensar, porque as pessoas realmente sentem que desaprenderam a conviver”, diz, por seu lado, Andrea Moniz, psicóloga e diretora do Centro de Psicologia Dra. Andrea Moniz, em Cascais, referindo que alguns dos seus pacientes tiveram crises de pânico quando regressaram aos escritrórios, depois de meses em teletrabalho. “São pessoas que já têm ansiedade e ela manifestou-se nesse momento crítico”, explica a psicóloga.
Vários estudos têm demonstrado que, ao longo de um ano de confinamento, a saúde mental tem sido seriamente prejudicada em todo o mundo. Em janeiro, os resultados da investigação “Saúde Mental em Tempos de Pandemia (SM-COVID19)”, realizada pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, revelaram que cerca de 25% dos participantes apresentava sintomas moderados a graves de ansiedade, depressão e stress pós-traumático, conclusões que estão em linha com outros estudos a nível mundial. “O ser humano vive para estar em relação, porque é nela que cresce, aprende e se desenvolve enquanto bebé, criança e adulto. Quando isso nos é retirado, como tem sido, adoecemos”, explica Andrea Moniz.
Além disso, acrescenta, existem pessoas que estão a seguir “de forma extremada” o dever de ficar em casa e não saem em situação alguma. “Essas pessoas estão a passar muito mal com a pandemia”, diz, referindo ter acompanhado, ao longo deste tempo, tentativas de suicídio de pacientes devido à solidão que estão a viver, e de todo o sofrimento e pressão que a gestão familiar tem provocado. “Tem de haver um equilíbrio entre a proteção contra a Covid-19 e a proteção contra as doenças mentais”, afirma a especialista.
Enfrentar o medo de forma gradual
Evitar situações e eventos sociais foi um reforço para muitos com o confinamento, garante Ana Paula Trindade. “Por isso, há todo um trabalho a fazer agora, como aprender a controlar os sintomas físicos da ansiedade, aprender a modificar os pensamentos negativos que a provocam em situações sociais e enfrentar os medos de uma maneira gradual e sistemática”, esclarece a psicóloga.
“Não há outra forma de vencer uma fobia que não seja através do confronto com a situação que gera esse medo”, concorda Andrea Moniz. Por isso, as pessoas que se sentem ansiosas negativamente pelo regresso à vida social devem ir fazendo uma aproximação progressiva com os outros. “Primeiro com quem estão mais à vontade, com um grupo mais pequeno de pessoas, até se sentirem confortáveis para começarem a estar durante mais tempo com mais pessoas”, explica a psicóloga. O plano de desconfinamento atual é um facilitador deste regresso gradual às atividades sociais, porque não permite, inicialmente, encontros em grandes grupos.
Relativamente aos compromissos profissionais, a solução passa por enfrentar o medo no momento e tentar dominá-lo – porque não há, muitas vezes, hipótese de escolha-, não deixando que o contrário aconteça. Andrea Moniz fala da crise pós-férias, que acontece quando se regressa ao trabalho depois de uns dias ou semanas de lazer. “Mas esta situação é muito pior, porque não são apenas 15 dias ou três semanas. Mesmo que estejamos em teletrabalho e que possamos ir à empresa de vez em quando, pode haver um sentimento de desadequação, de medo de já não saber estar e falar”, explica a psicóloga.
É importante, dizem as especialistas, transformar os pensamentos de ansiedade em pensamentos de coragem, de uma forma consciente e trabalhada, antecipando os momentos prazerosos depois de a ansiedade passar e se perceber que o que custa são os primeiros dias. “Com o tempo e com o regresso das rotinas, estes sentimentos de ansiedade vão-se desvanecendo e a vida começa a normalizar, apesar de ainda ser cedo para prever o que vai acontecer”, refere Andrea Moniz.
“O confinamento foi um escudo perfeito para as pessoas se refugiarem no seu quartel de solidão”
O confinamento tornou-nos, afinal, seres menos sociais? Para Ana Paula Trindade, a resposta é não, já que o ser humano tem “uma necessidade básica de contacto e trocas afectivas”.” Essa necessidade não se perdeu e, em alguns casos, terá aumentado”, explica a psicóloga, referindo que o desejo de abraçar, beijar e tocar permaneceu, de modo geral, intacto.
Para quem é naturalmente sociável e gosta de conviver, não perdeu competência nenhuma a este nível, pelo contrário, concorda Andrea Moniz. “Estas pessoas estão ávidas de voltarem à vida social que tinham e sofrem precisamente pela solidão que lhes foi imposta pelo confinamento”, diz.
Contudo, esta vontade de socializar depende da personalidade de cada um, explica a psicóloga “. Para quem que já tinha problemas de socialização antes da pandemia, esta situação só veio agravá-los, porque estas pessoas são, geralmente, introvertidas e preferem a solidão e o isolamento ao convívio e à relação com os outros”, explica a especialista.
O confinamento tornou-se a “desculpa perfeita” para este tipo de pessoas passar a ter a vida social que sempre ambicionou, mas que não conseguia alcançar devido às obrigações do dia-a-dia. “Antes, tinham de contrariar a sua natureza introvertida e, com a pandemia, isso deixou de acontecer. “O confinamento foi um escudo perfeito para as pessoas se refugiarem no seu quartel de solidão, onde se sentem seguras, mas também profundamente sós”, esclarece a psicóloga, referindo que essa forma de vida não traz felicidade e, muito menos, saúde mental.