O caso particular da americana Shannon Romano ilustra bem o que relatam os muito promissores estudos conhecidos esta semana, a aguardarem agora a avaliação pelos pares. Bióloga molecular num departamento de investigação do Hospital Mount Sinai, em Nova Iorque, foi diagnosticada com Covid-19 em março passado. Primeiro, uma dor de cabeça debilitante, depois uma febre em crescendo e, por fim, dores no corpo lancinantes. “Não conseguia dormir, não conseguia mexer-me”, recorda agora, citada pelo The New York Times. “Cada uma das minhas articulações doía por dentro”.
Digamos que não era propriamente uma experiência que apetecesse repetir. Mas, sem pensar mais nisso, no início deste mês, quando se tornou elegível para receber a vacina contra a Covid-19, compareceu. Só que, dois dias após a injeção, estava com sintomas muito semelhantes. “A forma como me doía a cabeça e o corpo era a mesma.” Nada muito prolongado e Shannon recuperou rapidamente. Mas assume que ficou surpreendida pela intensa reação do seu corpo – porque gerou uma resposta do sistema imunitário semelhante a quem já tomou as duas doses sem nunca ter estado doente.
“A confirmar-se, isto não só pouparia as pessoas de dores evitáveis como permitia uma poupança de doses que podem ser destinadas as outras”,
Florian Krammer, virologista da Escola de Medicina de Icahn, no Monte Sinai, em Nova Iorque
Essa a principal conclusão de um dos estudos divulgados no início da semana, no qual se detalha que pessoas anteriormente infetadas com Covid-19 relataram mais sintomas como fadiga, dores de cabeça e musculares após a toma da primeira dose da vacina do que aquelas que nunca tinham sido infetadas. Com base nestes resultados, os autores dos estudos estão agora a defender que as pessoas que já tiveram Covid-19 podem precisar apenas de uma dose da vacina.
“Estamos absolutamente convencidos de que uma dose é suficiente”, comentou Florian Krammer, virologista da Escola de Medicina de Icahn, no Monte Sinai, e autor do estudo, citado pelo diário americano, antes de sublinhar que “a confirmar, isto não só pouparia as pessoas de dores evitáveis como permitia uma poupança de doses que podem ser destinadas as outras”.
Piores efeitos secundários após segunda toma
Mas nem todos são tão otimistas. Oiça-se John Wherry, o diretor do Instituto de Imunologia da Universidade da Pensilvânia, que salienta um aspeto importante: é que as pessoas com casos mais ligeiros de Covid-19 poderão ter níveis de anticorpos mais baixos e assim ficar sem proteção contra variantes mais contagiosas do vírus. Além disso, dado o enorme volume de assintomáticos, “poderá ser difícil identificar todas as pessoas anteriormente infetadas”.
De resto, efeitos secundários após a vacinação são relativamente esperados. São também a prova de que o sistema imunitário está a preparar uma resposta e que assim estará melhor preparado para combater uma infeção se o corpo entrar em contato com o vírus. Das vacinas aprovadas, é consensual que tanto a da Pfizer/BioNtech com a da Moderna são particularmente boas a provocar uma resposta forte – uma boa percentagem de participantes nos ensaios das duas farmacêuticas relatou dores no local da injeção e alguma fadiga e dores de cabeça.
Agora, os resultados conhecidos também sugerem que a maioria das pessoas experimenta os piores efeitos secundários após a segunda injeção – passe o facto de, no caso da Moderna, alguns dos anteriormente infetados tenham tido menos efeitos secundários do que os outros. E parece haver cada vez mais relatos de experiência semelhantes à de Shannon Romano.
“Provavelmente, uma toma é mais do que suficiente…”
É o caso de Susan Malinowski, uma oftalmologista da Michigan que também esteve infetada com o SARS CoV-2 em março passado – e que sentiu igualmente o corpo sob ataque depois de ter recebido a vacina da moderna. A dose foi tomada antes do almoço, na véspera de Ano Novo, e ao jantar estava a começar a sentir-se doente. Seguiram-se dois dias de cama. “Febre, calafrios, suores noturnos, dores em todo o corpo…”, recorda, citada no mesmo texto do The New York Times, antes de confessar que se sentia mais doente agora do que quando recebeu o diagnóstico, há um ano.
Pablo J. Sánchez, do Instituto de Investigação do Hospital Infantil Nationwide em Columbus, no estado americano do Ohio, é outra voz a assumir que também já lhe chegaram relatos semelhantes – o que o leva a sugerir que isso passe a ser tido em conta quando se determina quem é elegível para vacina. “Parece-me realmente importante”, sublinha. No twitter, Akiko Iwasaki, uma imunologista da Escola de Medicina de Yale, está a dizer o mesmo: “as pessoas que tiveram Covid parecem estar a reagir à primeira dose como se fosse uma segunda dose”. Portanto, uma dose é “provavelmente mais do que suficiente”.
A questão está já a ser avaliada pelo Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) americano, segundo confirmou já Tom Shimabukuro, do comité que, naquele organismo acompanha as vacinações. “Estamos a reunir mais informações”, frisou.
Mas para Susan Malinowski, a tal oftalmologista do Michigan que já levou a primeira dose, são respostas que é mesmo preciso ter muito em breve. “Se os efeitos secundários da vacina forem realmente mais intensos nas pessoas que já foram infetadas, as autoridades de saúde têm pelo menos de considerar um aviso geral”, rematou. Já a bióloga Shannon Romano, que deve tomar a segunda dose no final do mês e também está a partilhar a sua experiência no Twitter, confessou ao The New York Times que não sabe bem o que fazer. “É provável que a tome, mas vou pensar um pouco mais nisso antes de decidir”.