Os vírus agora encontrados são os primeiros familiares conhecidos do SARS-CoV-2 a serem descobertos fora da China. No caso do Camboja, o vírus foi detetado em dois morcegos-ferradura de Shamel – recorde-se que a teoria tida como mais provável é que o coronavírus responsável pela Covid-19 tenha tido origem em morcegos-ferradura – capturados no norte do país em 2010.
Os morcegos tinham sido capturados no âmbito do projeto PREDICT, que, ao longo de várias décadas (e até ao início desde ano), vigiou a vida selvagem em busca de vírus com potencial pandémico. Em abril, os EUA, que financiavam o projeto, injetaram mais 3 milhões de dólares no programa para que se prolongasse durante mais seis meses e procurasse mostras da presença do SARS-CoV-2 em amostras de animais – morcegos, sobretudo, mas também pangolins – criopreservados em vários países asiáticos.
Se se provar que o vírus, cujo genoma ainda não foi completamente sequenciado, é muito próximo ou até um antepassado do SARS-CoV-2, os investigadores podem ter em mãos informação crucial que ajude, finalmente, a perceber como o novo coronavírus passou de morcegos para os humanos e chegar, assim, à origem da pandemia.
Essa mesma esperança é manifestada por Veasna Duong, virologista do Instituto Pasteur de Phnom Penh, que liderou a investigação agora publicada na Nature. O especialista sublinha, no entanto, que para desempenhar esse papel o coronavírus agora encontrado terá de partilhar mais de 97% do seu genoma com o SARS-CoV-2.
Mas Etienne Simon-Loriere, virologista do Instituto Pasteur de Paris tem um plano B: se se revelar mais distante, o vírus poderá ajudar os cientistas a perceber mais sobre a diversidade desta família.
É, aliás, o caso do outro coronavírus encontrado num morcego-ferradura armazenado num laboratório japonês depois de capturado em 2013. O Rc-o319 partilha 81% do seu genoma com o SARS-CoV-2, o que, neste caso, o torna um parente demasiado afastado para ser útil na investigação sobre a origem da pandemia, como explica à Nature o virologista Edward Holmes da Universidade de Sydney.
Mesmo sem se conhecer ainda o genoma do coronavírus do Camboja, a comunidade científica já considera esta descoberta como “entusiasmante e surpreendente”, nas palavras de Alice Latinne, bióloga da Sociedade para a Conservação da Vida Selvagem do Vietname.
Que outros familiares do SARS-CoV-2 haverá congelados nos laboratórios?
A questão inquietante é óbvia para Aaron Irving, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Zhejiang, na China: esta descoberta sugere que outros vírus da família do coronavírus responsável pela pandemia que estamos a viver podem estar armazenados nos laboratórios.
“Provavalmente, o SARS-CoV-2 não era um vírus novinho em folha que apareceu de repente. Vírus desde grupo já existiam antes de nos tornarmos conscientes disso em 2019”, acredita Tracey Goldstein, do One Health Institute da Universidade da Califórnia.
Para já, o familiar mais conhecido do SARS-CoV-2 é o RaTG13, descoberto também em morcegos-ferradura, na China, em 2013. Entre os genomas dos dois coronavírus há uma diferença de 4 por cento. A percentagem de divergência, que parece mínima, corresponde a décadas de evolução e estudos ao nível celular sugerem que o RaTG13 pode infetar humanos.
Para ser considerado o antecessor imediato do SARS-CoV-2, o vírus encontrado do Camboja teria de ter uma semelhança de 99%, segundo Irving.
Outros coronavírus, encontrados em morcegos da mesma família e em pangolins, capturados entre 2015 e 2019, também já mostram uma semelhança que os torna próximos do “novo” coronavírus.