Em todo o mundo, quase dois milhões de pessoas conseguiram tratar-se; em Portugal, já recuperaram mais de 6 450. Mas novos estudos demonstram que estar-se recuperado do novo vírus não significa que se esteja bem de saúde.
Através da análise de dados a pessoas que foram infetadas na China, sabe-se agora que alguns pacientes, especialmente aqueles que tiveram infeções mais graves, podem enfrentar danos duradouros e até permanentes.
“Há dois meses, a recuperação não estava na cabeça de ninguém. Estávamos a lidar com a crise”, disse à CNN Reynold Panettieri, médico nos cuidados intensivos e pulmonares no Centro Médico Robert Wood Johnson, da Universidade de Rutgers, em Nova Jersey. Agora que se começa a conhecer o vírus um pouco melhor, Panettieri está a liderar um estudo, de seis meses, com pacientes recuperados de Covid-19. Já foram analisados mais de 800 casos. “Agora começaremos a ver quais são as consequências a longo prazo”, afirmou Panettieri. “E este é um problema que realmente precisa de ser resolvido.”
A maioria das doenças virais podem resultar em tosse persistente durante semanas, mas Panettieri observou que alguns pacientes que recuperam do Covid-19 apresentam outros sintomas graves que não desaparecem. “Os pacientes contraíram a doença durante duas semanas e, três meses depois, ainda não se sentiam ‘completamente recuperados’. Alguns deles eram atletas ou praticavam exercícios de forma regular e ainda não voltaram ao estado de pré-doença.” Esta condição pode estar relacionada com uma série de fatores, incluindo a forma como o vírus afeta os pulmões, o coração e o cérebro.
Fibrose pulmonar
Ronald DePinho, ex-presidente do Centro de Cancro MD Anderson e cofundador da Tvardi Therapeutics, diz-se particularmente preocupado com o facto de que a resposta ao vírus possa estar a causar danos e ‘cicatrizes’ irreversíveis, conhecidas como fibrose pulmonar. A fibrose pulmonar é uma doença “progressivamente implacável” nos pulmões, e podem levar os pacientes a precisarem de um transplante pulmonar. O que acontece é que esta doença cicatriza e ‘engrossa’ o tecido que envolve os alvéolos dos pulmões, comprometendo assim a passagem de ar para a corrente sanguínea.
Ainda são necessários vários estudos para comprovar como é que os pacientes irão desenvolver esta cicatrização pulmonar, mas com base em estudos feitos aos outros coronavírus já existentes, como a SARS e a MERS, sugerem que certos pacientes do Covid-19 possam ter sequelas duradouras. Um estudo, feito em 2017, a 36 pacientes com MERS concluiu que um terço destes ainda apresentava danos de fibrose pulmonar, evidenciados pelas radiografias ao peito, depois de um acompanhamento de 43 dias. Um outro estudo demonstra também que dois terços dos pacientes hospitalizados com SARS desenvolveram fibrose pulmonar, segundo Ronald DePinho. Se o mesmo padrão for comum aos pacintes Covid-19, isso pode significar que milhares de pessoas terão cicatrizes pulmonares a longo prazo.
Até agora, os dados são escassos, mas os primeiros resultados da China sugerem o mesmo padrão que DePinho descreve. Em Wuhan, na China, num estudo feito a 63 pacientes Covid-19, cerca de 18% apresentaram “marcas fibrosas” nas radiografias, confirmando que foram necessárias mais de seis semanas para o peito de um paciente voltar ao normal, mesmo depois de os sintomas já terem desaparecido.
Isto pode explicar o porquê de alguns pacientes apresentarem perdas significativas da função pulmonar, mesmo após a recuperação do novo coronavírus. Segundo Owen Tsang Tak-yin, diretor médico do Centro de Doenças Infeciosas no Hospital Princess Margaret, as perdas da função pulmonar podem chegar aos 20% a 30%.
Coágulos sanguíneos
Michael Herbert, por exemplo – um americano de 49 anos – foi internado porque apresentava sintomas de tosse e febre; passada uma semana, o seu estado clínico piorou de forma drástica e teve de ser ligado a um ventilador na Unidade de Cuidados Continuados, devido a uma infeção pulmonar causada pelo Covid-19. “É certamente incomum a rapidez com que ele passou de um período de aparente estabilidade para uma fase em que exigia suporte ventilatório”, disse Neal Greenfield, médico no Hospital Northwestern Medicine Delnor, em Genebra, uma cidade do Estado de Illinois, nos EUA.
Mas da mesma forma que piorou, Herbert recuperou e teve alta quando ficou estável. No papel, Michael Herbert era dado como recuperado, mas a tosse persistente e falta de ar continuaram, o que poderia ser uma consequência da doença. Apesar de já ter deixado o hospital há um mês, Herbert ainda luta para recuperar e ficar completamente.
Além das cicatrizes pulmonares e das fibroses pulmonares , o Covid-19 ainda tem outros efeitos nos pacientes: a formação de coágulos sanguíneos.
Warnell Vega, outro americano, de 33 anos, sobreviveu a uma embolia pulmonar – obstrução da artéria pulmonar ou de um dos seus ramos por um coágulo sanguíneo – que o colocou em risco de vida. Como é recorrente nos pacientes que sofrem de embolia pulmonar, Vega desenvolveu a doença sem nenhum aviso prévio: tossiu e desmaiou. O homem teve de ser internado nos cuidados intensivos e posteriormente foi diagnosticado com Covid-19. Os médicos disseram que Vega ficou gravemente doente e desenvolveu sinais de hipertensão pulmonar, o que ocorre em 2% a 4% de pacientes com embolia pulmonar. Apesar de já estar a recuperar, Warnell Vega corre ainda o risco de desenvolver um coágulo sanguíneo novamente e pode precisar de usar anticoagulantes durante algum tempo.
Os anticoagulantes podem melhorar os resultados dos pacientes hospitalizados com Covid-19, de acordo com um relatório, publicado esta quarta-feira, no Journal of American College of Cardiology. A equipa que conduziu o estudo concluiu que 29% dos pacientes com ventiladores que receberam anticoagulantes acabaram por morrer, em comparação com 63% dos pacientes com ventiladores que não receberam os anticoagulantes. Os estudos clínicos mais recentes mostraram que quase metade dos pacientes que sofreram uma embolia pulmonar ainda terão limitações de exercício e atividade durante um ano.
Outro fator de risco é o impacto do vírus no coração. Os danos causados nos pulmões podem levar a que o sangue seja menos oxigenado e que chegue ao coração com défice de oxigénio. O vírus pode assim atacar o coração, levando a uma inflamação no miocárdio.
“Houve uma série de complicações cardíacas relatadas associadas ao vírus Covid-19, e estas são muito variadas”, disse Joseph Brennan, diretor da unidade de terapia intensiva da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale. “Todos sabemos que os ataques cardíacos podem ter consequências a longo prazo devido a um potencial declínio da função cardíaca. Aqueles que tiveram ataques cardíacos associados ao novo coronavírus provavelmente terão consequências a longo prazo.”
Um estudo publicado na revista médica JAMA Cardiology concluiu que 19,7% dos pacientes hospitalizados com Covid-19 sofreram algum tipo de lesão cardíaca. Estes pacientes podem não conseguir fazer esforços, sentir falta de ar ou que o coração está a bater mais rápido do que o normal, durante um período indeterminado de tempo.
Apesar de ainda ser necessário realizar muitas pesquisas sobre como o coronavírus afeta o corpo humano, fisica e psicologicamente, sabe-se que os pacientes infetados podem sofrer alguns danos durante o resto da vida, sendo assim cada vez mais importante conter as cadeias de transmissão e controlar eventuais novos surtos de Covid-19.