Já há mais de 50 mil artigos científicos inscritos no Cord-19, nome de um conjunto de pesquisas sobre o novo coronavírus aberto a toda a comunidade científica. Mas, apesar de todo o esforço para o conhecer melhor, há meia dúzia de meses o SARS CoV-2 era um bicho absolutamente desconhecido de todos. Agora, bem que se avança o mais possível neste terreno por explorar – tanto sequenciando o genoma do vírus como estudando os seus mecanismos de ação, a tentar fabricar a vacina de que precisamos. No entanto, apesar de todo o empenho, a maioria das questões permanece sem solução. E o pior é que os principais quebra-cabeças desta pandemia são – e nisto todos concordarão, como nota o diário suíço Le Temps – questões básicas.
1. Não sabemos como a epidemia começou
Não se sabe mesmo, com toda a certeza, a origem deste novo coronavírus. Análises ao genoma sugerem que teria emergido do morcego, contagiando outros animais, até chegar ao ser humano. Mas não se sabe se foi mesmo assim, e menos ainda como passou a barreira das espécies para infetar o homem. Agora, até a hipótese do pangolim, suspeito de ter desempenhado esse papel de intermediário, está a ser abandonada. No entanto, é uma linha de investigação que não pode parar: conhecer a origem do vírus é crucial para evitar que regresse. Nem que seja monitorizando melhor os animais hospedeiros.
2. Não se sabe como o SARS CoV-2 é transmitido
A pergunta que todos fazemos é: como é que, em tão pouco tempo, alastrou ao mundo inteiro, infetando quase 2 milhões de pessoas? É certo que as gotículas que expelimos durante a tosse ou os espirros são vetores do vírus. Mas há ainda algumas dúvidas sobre a forma como ocorre a transmissão por superfícies contaminadas, excrementos e até aerossóis. Estudos recentes sugerem que o vírus também é transmitido pelo ar. No entanto, faltam estudos para conhecer melhor a transmissão viral e adaptar melhor as recomendações de saúde pública. Por exemplo, se todos, em qualquer circunstância, devem mesmo usar máscaras.
3. A mortalidade ainda não é conhecida com precisão
Há vários cálculos a serem feitos, mas ainda não se chegou a um valor conclusivo. Recentemente, um estudo publicado na The Lancet estimava que a mortalidade na China estava nos 0,66 por cento. Mas será muito menor se se considerar que há muitos, mas muitos, casos assintomáticos. Também há quem esteja a comparar com a mortalidade em períodos homólogos. Foi assim que se determinou que, em Itália, o valor atual é o dobro da média de todos os dias. Mas já é certo que a taxa de mortalidade da Covid-19 não será conhecida até que a epidemia termine.
4. Não se sabe porque alguns casos são tão graves e outros quase inofensivos
A variabilidade dos casos observados é suficiente para baralhar todas e quaisquer contas. Desde o início da epidemia, sabemos que a idade e a existência de doenças crónicas podem agravar os sintomas. Mas como explicar a gravidade de alguns casos, inclusive em jovens e aparentemente saudáveis? Continua a ser um mistério. Há quem esteja a estudar a hipótese de ser uma “tempestade de citocinas”, ou uma resposta extrema do sistema imunitário que pode ser fatal. É que essa libertação massiva de moléculas envolvidas no controlo da imunidade pode ter efeitos muito nocivos – como a queda em flecha da pressão sanguínea, um edema pulmonar ou dificuldade respiratória aguda, que levam depois à morte.
5. Não se sabe que medicamentos são mais eficazes
Há remédios que são administrados casos a caso, dependendo do perfil dos doentes e do stock de antivirais disponíveis – alguns, por exemplo, usados na luta contra a malária. Mas os seus efeitos estão longe de ser os mesmos em todos os pacientes. Daí que a Organização Mundial de Saúde tenha lançado um grande ensaio clínico chamado “Solidariedade”, para avaliar a eficácia dos chamados medicamentos compassivos.
6. Não se sabe quanto tempo dura a imunidade
É outra das grandes incógnitas ligadas à Covid-19. Depois de recuperarmos da doença ficamos mesmo imunizados? E durante quanto tempo? Para já, os cientistas estão a fiar-se nos resultados de estudos realizados durante as primeiras epidemias de SARS e MERS, mas também em trabalhos mais recentes.
Por exemplo, um estudo chinês realizado em macacos infetados com SARS-CoV-2 demonstrou que os macacos produziram anticorpos neutralizantes, permitindo que resistissem a uma nova infeção. São resultados que sustentam a tese de uma imunidade adquirida. Resta saber durante quanto tempo.
E está, novamente, a revelar-se impossível ter estimativas nesta fase, por falta de retrospetiva. Também é difícil estabelecer vínculos com epidemias anteriores, já que a resposta imune não só pode variar muito de um vírus para outro na família dos coronavírus, mas também entre indivíduos.
7. Não sabemos bem também qual é o papel desempenhado pelas crianças
Há só uma certeza: a grande maioria das crianças é muito menos afetada pelo Covid-19 do que os mais velhos. Mas ainda não se sabe a importância que têm na propagação da doença – daí ter-se decidido pelo encerramento de escolas em muitos países, antes de tudo o mais.
É uma questão crucial, pela convicção crescente de que há um grande papel desempenhado pelos assintomáticos na disseminação da pandemia. Será que, apesar de saudáveis, as crianças podem ser uma espécie de super-propagadores da doença? Apesar de tudo o indicar, ainda não foi possível tirar conclusões definitivas.
8. Há ainda há muito por saber sobre a mutação do SARS-CoV-2
Considerados processos naturais e aleatórios, as mutações genéticas são muito importantes para o desenvolvimento de uma vacina. Como o seu genoma é frequentemente modificado em cada mutação, torna-se relativamente fácil aos vírus escapar às vacinas. Há já plataforma de monitorização a explorar a questão – como é o caso do NextStrain. Para já, é só certo que o seu genoma sofre uma mutação relativamente lenta: está estimada em menos de 25 mutações por ano. Um valor que é metade da do vírus influenza responsável pela gripe. Daí se considerar que só será necessária uma única vacina.
9. Não se sabe se há animais de estimação que transmitem a doença
Tanto cães como gatos (e até um tigre!) já testaram positivo para SARS-CoV-2. Mas, há sempre um ‘mas’ nestas histórias, ainda não foi confirmada nenhuma transmissão de um animal de estimação para o ser humano.
Há um estudo que revelou produção viral. Mas outro, realizado em animais cujos donos estavam doentes, não conseguiu observar nenhum desenvolvimento de anticorpos contra o coronavírus. Assim, enquanto o mecanismo de penetração do coronavírus nas células não for esclarecido, um contágio desta ordem permanece no campo das possibilidades. Mesmo que a raridade dos casos de animais infetados permita estimar que uma transmissão para o ser humano permanece improvável.
10. Não sabemos quando e como terminará
São imensas as variáveis que determinarão o futuro da pandemia. Primeiro, aguarda-se a possibilidade de uma vacina conseguir conter ou mesmo erradicar o vírus. Segundo a OMS, há já quase 70 candidatas em estudo. Mas apenas três estão na fase de avaliação clínica e testados em seres humanos, e nenhuma estará disponível em menos de um ano.
A ciência está também a desenvolver esforços para encontrar tratamentos que possam salvar vidas. Há já alguns antivirais em ensaios clínicos. Mas, e se nada der resultados conclusivos? Há quem esteja convencido de que tudo terminará rapidamente – embora seja também muito possível que este SARS coV-2 continue a fazer caminho até desaparecer por falta de pessoas para infetar. Antes de, depois, ressurgir regularmente – ou de forma irregular, como aconteceu com o H1N1. Mas, só uma última pergunta: quantos mortos fará até então?