Como compara esta epidemia com outras que já vivemos?
Apesar de ter sido causada por outro grupo de vírus, a pandemia de gripe A acaba por ser o melhor termo de comparação – a SARS e a MERS são causadas por vírus do mesmo grupo, os coronavírus, mas não tiveram a intensidade nem a dispersão desta epidemia. De qualquer modo, a transmissão ocorre de forma idêntica – via aérea por gotículas. Estamos a utilizar muita da experiência conquistada na pandemia de 2009/10, até a nível laboratorial, para os testes de diagnóstico. E a Direção-Geral da Saúde (DGS) está a readaptar o plano de contingência traçado para a gripe. A base de dados para partilha de informação é a mesma usada na pandemia de gripe, há uma readaptação do trabalho feito.
Mas haverá algumas diferenças relativamente à situação de há dez anos…
Sim, certamente! Houve uma evolução considerável, nomeadamente na rapidez de obtenção dos resultados. Há dez anos, tardava dois ou três dias até conseguirmos ter uma parte do genoma do vírus. Hoje em dia, em 24, 48 horas conseguimos ter o genoma total. Este conhecimento permitiu uma grande rapidez a estabelecer um diagnóstico laboratorial. Em poucos dias, compramos os reagentes e montamos o método de diagnóstico. No caso do surto de SARS e de MERS, passaram-se alguns meses até se conhecer o agente causador da infeção.
Vamos conseguir dar resposta às necessidades de diagnóstico?
A capacidade de diagnóstico dos casos é enorme, neste momento. Também por isso os números crescem rapidamente. Ter esta informação é essencial para se planear a forma de atuação e tomar decisões relativamente às medidas de contenção. Nesta fase, dita de contenção, o objetivo é evitar as cadeias de transmissão. Para isso, o diagnóstico rápido é essencial.
Mesmo assim, nota-se muita ansiedade entre a população.
Curiosamente, esta rapidez no diagnóstico acaba por se traduzir numa maior preocupação da comunidade. Ao longo deste ano tem havido uma preocupação a nível central com a comunicação do risco, há mais transmissão da informação, que é melhor e disponibilizada em mais quantidade. Temos orientações para estabelecer contacto quer com cientistas quer com os média. Há anos, esta não era uma preocupação. Hoje, temos de saber comunicar com os média, são parceiros. Considero que é uma evolução esta preocupação em comunicar.
O que se está a passar agora?
O que estamos a fazer é adaptar os recursos, humanos e de equipamento, a cada fase da epidemia. As equipas já estavam formadas em 2009. Tinham sido pré-preparadas para a gripe das aves, que acabou por não evoluir como epidemia e manteve-se ativa para a vigilância da gripe. Adaptámos a experiência anterior para implementar este novo teste de diagnóstico, adaptado ao novo vírus. Nesta fase, há grande urgência no diagnóstico mas não há muitos casos. Noutra fase, com grande quantidade de casos, a urgência será menor. Não haverá necessidade de garantir diagnóstico durante a noite, por exemplo. Na fase de contenção, promove-se o isolamento até ao resultado do teste.
Há risco de faltar material?
Neste momento, não há rotura. O material está a ser gerido de forma racional, para que todos os laboratórios da rede tenham capacidade de fazer o teste. Os técnicos dos laboratórios já tinham vindo ao INSA em 2009 para fazer formação.
Como está a decorrer a época da gripe?
Continuamos a fazer a vigilância da gripe – ocorre no período de outubro a maio – e verificamos que já estamos em fase decrescente. Até ao final de dezembro, o vírus circulante dominante foi do tipo B. Desde janeiro tem sido A (H1N1). Nos dois casos, houve grande semelhança com as estirpes contempladas na vacina, que, pela primeira vez, foi quadrivalente [quatro estirpes diferentes de vírus]. Registou-se uma efetividade mais elevada relativamente à época passada. Os sintomas são semelhantes – tosse e febre (a partir de 37,8) têm sido os mais frequentes.
O mundo aguarda uma vacina. Consegue fazer previsões sobre quando esta será disponibilizada?
Para o vírus infetar uma célula é preciso uma proteína de superfície que funcione como uma chave a abrir uma fechadura. Esta informação agora revelada sobre a proteína que faz esta ligação pode ser importante para a produção da vacina e também dos antivirais. Há grupos muito robustos que estudam a região do vírus que será mais importante ou determinante para o desenvolvimento da vacina e do medicamento, de uma forma mais rápida e eficaz. Até ser disponibilizada a vacina, tem de se passar por várias etapas, que não se podem saltar. Em 2009, demorou-se sete a oito meses até conseguirmos uma vacina. Mas era uma situação diferente, porque se tratou da adaptação de uma vacina já existente. No caso do coronavírus, não há qualquer vacina para vírus deste tipo.
Nesta fase, dita de contenção, o objetivo é evitar as cadeias de transmissão
Recentemente houve uma epidemia causada por um tipo de coronavírus, que não teve este impacto. Porque está a ser tão difícil controlar este novo coronavírus?
O SARS era um vírus que não se transmitia com tanta facilidade. Este vírus adapta-se tão bem e multiplica-se tão facilmente no organismo humano, que se espalha rapidamente. Quando a mortalidade é muito elevada, não ocorre uma transmissão tão eficaz.
Outro mistério é o facto de as crianças estarem a escapar à infeção…
Com a idade, aumenta o número de pessoas infetadas. Ao longo da vida, o sistema imunitário torna-se menos reativo, menos eficiente. Mas há aqui um padrão que nos intriga: as crianças abaixo dos 10 anos, uma faixa etária em que normalmente estas infeções são comuns, não têm sido atingidas pelo coronavírus. Não se sabe se não têm sintomas ou se não estão a ser contaminadas.
Este vírus irá desaparecer de circulação ou vai passar a fazer parte das nossas vidas?
Hoje, há quatro tipos de coronavírus em circulação, sobretudo no inverno. Todos tiveram como origem um animal. Normalmente, vivem em espécies de mamíferos, até serem transmitidos ao Homem. Tendo em conta a transmissibilidade, diria que provavelmente este vírus ficará a circular na população humana, será como a gripe. Muitas pessoas ficaram doentes na fase inicial da epidemia. Neste momento, já estamos num nível praticamente global da epidemia. Os próximos meses serão determinantes para se perceber qual será a evolução do vírus. E uma vacina ou um antiviral poderá fazer a diferença. Só o futuro o dirá.