De há um tempo para cá, começámos a ouvir que os benefícios durante tantos anos atribuídos ao leite podem ser, afinal, questionáveis. Mas já em 1951, o nutricionista da Universidade de Harvard, Mark Hegsted, se interrogou sobre o assunto.
Este investigador queria perceber se os americanos precisavam ou não de beber tanto leite como era recomendado. Por isso, iniciou um estudo que analisou os níveis de cálcio dos prisioneiros do Centro Penitenciário de Lima, no Peru. As suas conclusões, ainda que se tratasse de um estudo pequeno, com uma amostra constituída apenas por homens, mostraram que o corpo humano não precisava de tanto cálcio como até aí se tinha pensado.
Segundo a revista Mother Jones (num artigo com o título “A nova ciência assustadora que mostra que o leite é mau para si“), apesar deste estudo ter sido revolucionário, não teve muitas repercussões. O governo, inclusivamente, apoiado pelos lobbys das corporações de alimentação e comida, continuou a recomendar a ingestão de leite aos americanos.
Entretanto, muitos estudos sobre o leite foram surgindo, nos quais o leite não é propriamente elogiado. Walter Willett, investigador da Universidade de Harvard e seguidor do trabalho de Mark Hegsted, está por detrás de vários estudos deste género.
Num deles, Willet descobriu que os adultos que consumiam produtos lácteos em grandes quantidades tinham maior risco de vir a ter alguns problemas de saúde do que aqueles que os consumiam moderadamente.
Willet tentou perceber qual era a relação entre a ingestão de leite e o risco de fraturas de ossos – pensa-se que o leite ajuda a preveni-las. Num estudo que levou a cabo em 2007, o nutricionista concluiu que, nas mulheres, não existia nenhuma associação entre a ingestão de cálcio e o risco de fratura dos ossos. Em 2014, a VISÃO dava conta de um outro estudo, desta vez da Universidade de Uppsala, na Suécia, que revelava que beber três copos de leite por dia não só não reduzia o risco de fraturas ósseas, como ainda aumentava o risco de morrer mais cedo.
Numa investigação posterior à de Walter Willet, não só se verificou aquilo que foi concluído pelo seu estudo de 2007 como ainda se revelou que as mulheres que bebiam pelo menos dois copos e meio de leite por dia tinham maior risco de fraturar os ossos do que aqueles que bebiam menos.
Mas os estudos de Willet não se ficam por aqui. Existem muitos outros que revelam, por exemplo, que os homens que participaram na investigação e que beberam dois ou mais copos tinham o dobro do risco de desenvolver cancro da proposta do que aqueles que não bebiam.
Nenhum destes estudos é definitivo e ainda há muito por explorar acerca da relação entre a ingestão de produtos lácteos e as doenças. Mas aquilo que Willet recomenda é que, por precaução, as pessoas se fiquem por duas porções de laticínios por dia e que limitem a ingestão de cálcio a 1000 miligramas por dia.
No entanto, nos EUA, o comité que aconselha os americanos sobre que diretrizes alimentares devem tomar, não concorda com as recomendações de Willet. A revista Mother Jones analisou os membros pertencentes a esse comité e descobriu que muitos deles têm relações com grandes empresas de laticínios. Além disso, estas empresas gastam milhões de dólares por ano em doações para associações americanas de nutrição. Segundo a revista, as empresas de laticínios gastam cerca de 64 milhões de dólares em doações para os políticos e em lobbying federal.
Estas descobertas colocam em causa alguns dos estudos apresentados por estas organizações de nutrição acerca dos benefícios do leite. É que apesar de a porta voz do Comité Nacional de Laticínios americano ter garantido que os estudos são autónomos, a verdade é que, segundo uma recolha de informação feita por Lenny Lesser, mais de um terço dos estudos sobre leite publicados entre 1999 e 2003 receberam fundos de alguma indústria de laticínios e dos 15 financiados inteiramente por elas nenhum chegou a conclusões que fossem contra os interesses corporativos.