“Produzir mais com o mesmo.” É este conceito, simples na formulação, complexo na essência, que está por trás da aposta em insetos para alimentação, diz Daniel Murta, professor na Egas Moniz School of Health & Science. “Os insetos são a possibilidade de nós utilizarmos recursos naturais que hoje em dia são muitas vezes desperdiçados, como subprodutos da agroindústria, e transformá-los em novas fontes nutricionais, tanto para alimentação animal como humana.”
Na Conversa Verde da VISÃO, o também fundador e CEO da EntoGreen (empresa especializada na produção de insetos para alimentação animal) recorda como, em 2011, após terminar o curso de Veterinária e quando fazia o doutoramento, procurou formas de produzir proteína de origem animal de valor acrescentado do ponto de vista nutricional e da saúde, mas com baixo impacto ambiental, “aliviando a pressão sobre o planeta”.
“Passei a olhar para o setor bioindustrial dos insetos como oportunidade de desenvolver tecnologia e de adicionar valor, de fazer a diferença. Comecei a cimentar o meu conhecimento nesta nova área. Mas não foi fácil, porque as incubadoras em Lisboa não gostavam muito do tema dos insetos.”
A vantagem dos insetos é serem muito mais eficientes na conversão de alimento do que os animais de criação que constam da nossa dieta. Por exemplo, entre a quantidade de comida que consomem e a que geram, são dez vezes mais eficientes do que as vacas. Essa vantagem estende-se também à utilização de água e à área agrícola necessária. O objetivo, porém, não é substituir as fontes de proteína convencionais. “Não é nossa intenção que as pessoas deixem de comer vaca ou outras fontes nutricionais que já têm hoje, quer seja de origem animal ou vegetal. É que as complementem”, garante.
A principal vantagem dos insetos é serem produzidos aproveitando os produtos – desperdícios da agricultura – que não são utilizados na alimentação animal nem na alimentação humana. “São produtos de origem vegetal, 100% seguros, mas que muitas vezes, por exigência dos consumidores, não acabam nas nossas mesas nem nas manjedouras dos animais. Estamos a falar de talos de brócolos, couves ou cebolas que não têm a aparência certa, ou até mesmo bagaço de azeitona. São produtos descartados aos milhares de toneladas por ano, que acabam em aterro ou em compostagem.” O empresário não vê os insetos como um produto, mas como uma ferramenta, que transforma um passivo ambiental num ativo.
A Entogreen, para já, está focada apenas na ração animal. Ou seja, a farinha de inseto produzida na sua fábrica é uma proteína intermediária, no caso dos animais de produção, incluindo peixe de aquacultura. Daniel Murta, no entanto, enfatiza que os insetos são uma excelente alternativa proteica e com baixo impacto ambiental para animais de estimação. Um estudo publicado na revista científica PLOS One conclui que a produção de carne para alimentar os 163 milhões de cães e gatos nos EUA emite 64 milhões de toneladas de gases com efeito de estufa – três vezes mais do que os automóveis em circulação em Portugal. “A mágica dos insetos não está só em ser uma fonte proteica alternativa a jusante da cadeia de valor – ajudam também a resolver problemas a montante.”
O próximo passo será introduzir os insetos na alimentação humana, sempre sob a forma de farinha. “Os insetos são um ingrediente ou fonte de matéria-prima como qualquer outro”, sublinha. “Quando compramos uma bolacha, não a escolhemos por ter um determinado trigo. Vamos procurar se ela tem o sabor ou a consistência que queremos ou se tem benefícios concretos. A maneira como vemos os insetos a entrarem na alimentação humana é por serem, acima de tudo, uma fonte saudável, contribuírem para um equilíbrio de nutrientes interessante e serem sustentáveis. Farinha de inseto é um ingrediente, só por si, com valor útil. Há muitas outras proteínas no mercado, mas não há muitas com as vantagens que as farinhas de inseto atribuem aos produtos para a alimentação animal e humana.”
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