A COP26 (26ª conferência climática no âmbito das Nações Unidas), em Glasgow, ficou muito longe do que era necessário para manter o aumento de temperatura a um nível aceitável – 1,5 ºC. As críticas foram muitas, mas poucas tão assertivas como as da Amnistia Internacional. Para a ONG, os líderes políticos vergaram-se aos interesses das empresas de combustíveis fósseis e o resultado foi um “fracasso catastrófico”.
Quem perdeu? A humanidade. “As alterações climáticas são uma questão de direitos humanos”, diz Pedro A. Neto, diretor-executivo da Amnistia Internacional – Portugal, nas Conversas Verdes da VISÃO. “Tem que ver com os direitos civis e políticos. Temos comunidades que estão a ficar sem a sua terra, devido à desflorestação ou à subida do nível médio do mar. Os problemas ambientais e as alterações climáticas são graves e já estão a afetar o ser humano e os direitos fundamentais.”
O porta-voz da organização, porém, não ficou surpreendido com o flop de Glasgow. “Já se adivinhava. Alguns dos líderes principais, dos países com mais emissões, faltaram à cimeira. Logo aí, houve uma falta de compromisso. Não estavam na mesa das negociações. E foi um fracasso, também, porque ficou muito aquém do que devia ser no que respeita às compensações devidas às pessoas que estão a sofrer mais com as alterações climáticas.”
Pedro Neto acusa, igualmente, os líderes que assinaram o Pacto Climático de Glasgow de “falta de coragem”, pelo recuo quanto à eliminação do carvão, que chegou a constar dos primeiros rascunhos. A solução, agora, é apostar na economia, a única língua que todos percebem. “ O carvão, mesmo com as emissões e poluição, ainda é a forma mais barata de produzir energia elétrica. Precisamos de uma mudança do paradigma económico. Temos de tornar as energias renováveis economicamente vantajosas, para que estes líderes e estas empresas preocupadas com o lucro a curto prazo possam perceber aqui vantagens.”
A vez dos jovens
Apesar de criticar a ausência de Xi Jinping, o diretor-executivo da secção portuguesa da Amnistia Internacional defende que está na altura de o Ocidente assumir as suas responsabilidades pelas emissões da China e de outros países em desenvolvimento. “A China e a Índia emitem muito carbono, mas isso porque produzem produtos que são consumidos pela Europa e pelos EUA. Nós também somos responsáveis pelos produtos que importamos, feitos com energia de centrais a carvão. Estamos todos no mesmo planeta. As emissões na China prejudicam-nos a nós e vice-versa.”
O desfecho da COP26 também prova que não podemos continuar a contar com os políticos no combate às alterações climáticas. “Mostraram falta de coragem para assumir compromissos e delinear planos operacionais para chegar a essas metas. Não vão ser as lideranças políticas a puxar por esta questão, mas sim a pressão pública, o ativismo e o mercado. Essa é a minha esperança: que sejam as pessoas a forçarem a onda, para que os líderes não tenham medo, vão atrás das tendências sociais, na sua busca pelo voto, e implementem estes compromissos.”
Há sinais positivos vindos da Alemanha, acrescenta, onde o partido ecologista (Os Verdes) teve uma votação histórica nas recentes eleições legislativas e integra, agora, o governo. Além disso, continua o ativista, o país prepara-se para baixar a idade de voto para os 16 anos, o que pode fazer toda a diferença, se o exemplo for seguido por outros Estados europeus. “Pode ser um fator de transformação, de mudança de baixo para cima. Votar a partir dos 16 anos alteraria o foco dos políticos: [os jovens] são um público muito envolvido e comprometido com a justiça climática.”
E a justiça climática é, precisamente, a maior baixa do fracasso de Glasgow: o acordo deixou os países mais pobres e as comunidades indígenas sem os prometidos apoios para lidarem com os impactos das alterações climáticas, com o fundo de 100 mil milhões de dólares anuais prometido para 2020 a ser adiado para 2025. “As pessoas mais vulneráveis são sempre as que sofrem mais”, diz Pedro Neto. “Vimos isso na pandemia: foram os que mais foram atacados, não só na questão sanitária como nos empregos. Aqui são os mesmos que sofrem na pele, nas suas vidas, os efeitos das mudanças no clima.”
A questão não é apenas o valor do fundo. “Mais do que o montante, que é manifestamente insuficiente, faltou a concretização da atribuição destes fundos. Tem de haver medidas de compensação para aqueles que já estão a sofrer, para se prepararem para as consequências das alterações climáticas. Há que ajudar as pessoas, as comunidades que mais sofrem, a proteger-se e a dar a volta quando o seu modo de vida tiver de ser transformado completamente. Em Moçambique, por exemplo, já há comunidades a sofrer com as alterações climáticas. Na Amazónia, devido à desflorestação, há comunidades inteiras a ficar sem o seu modo de vida. A ironia é que são estas pessoas que emitem menos carbono.”
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