Nas últimas décadas, a expansão da produção de alimentos de origem aquática reflete a importância da pesca para assegurar a alimentação, economia e sustento da população mundial. Este fenómeno não apenas atesta a resiliência da pesca como uma prática essencial, mas também sublinha o seu papel multifacetado na esfera social, económica e ambiental.
O pescado contribui de forma consistente para a segurança alimentar e nutricional em todo o mundo, fornecendo uma fonte vital de proteínas, ácidos gordos ómega-3 e outros nutrientes essenciais. Em 2020, o consumo global médio de pescado superou os 20 kg por pessoa, mais do dobro do registado na década de 1960. O aumento do consumo global e alteração dos hábitos alimentares resulta do crescimento populacional e da maior promoção dos benefícios para a saúde associados ao consumo de peixe. A não esquecer o papel fundamental da pesca na subsistência e na preservação da identidade cultural de inúmeras comunidades costeiras, principalmente nos países em desenvolvimento.
Entretanto, o aumento global na procura de peixe levanta sérias preocupações sobre a sustentabilidade ambiental da pesca, especialmente quando consideramos que cerca de um terço dos recursos pesqueiros são capturados acima dos limites de segurança, para além das sérias preocupações com o impacto global das atividades de pesca ilegal, não reportada ou regulada (Illegal, unreported and unregulated – IUU, em inglês). Estima-se que um quarto do peixe capturado seja proveniente da pesca IUU. Se nos focarmos nos tubarões e raias, mais de um terço das espécies deste grupo estão ameaçadas, sendo o segundo grupo com mais espécies ameaçadas de extinção no planeta.
A necessidade de equilibrar a procura crescente de pescado com a preservação dos ecossistemas marinhos exige uma abordagem holística e sistémica, envolvendo governos, indústria, cientistas e consumidores. Neste sentido, a monitorização dos recursos pesqueiros e do impacto da pesca no meio marinho e nas espécies, o combate à pesca IUU, a implementação de medidas de gestão sustentável – como a cogestão da pesca – o incentivo à utilização de tecnologias menos destrutivas e poluidoras, e a promoção de práticas pesqueiras responsáveis são essenciais para manter este equilíbrio.
Claro que nem tudo é da responsabilidade das políticas públicas. A consciencialização crescente sobre a qualidade e origem do pescado tem levado alguns consumidores a optar por produtos mais sustentáveis e de origem local. No entanto, é necessário educar mais sobre escolhas responsáveis para evitar o consumo de espécies sobre-exploradas e ameaçadas.
Em Portugal, a tradição pesqueira é rica e diversificada, refletindo-se no elevado consumo de peixe: cada português, em média, consome quase 57 kg de peixe por ano. É mais de 1 kg por semana, sendo mais do dobro do consumo médio na EU e quase o triplo da média global. Curiosamente, a maioria da população portuguesa desconhece a existência de tubarões nos nossos mares e também não sabe que, por exemplo, o cação, tido como imprescindível em vários pratos icónicos do país, é, de facto, um tubarão. Portugal é o 2º exportador mundial de carne de tubarão e o 6º importador de carne de raia.
É sempre bom lembrar que a maioria dos peixes no topo da cadeia alimentar, como os tubarões, estão mais suscetíveis a conter na sua carne níveis excessivos de contaminantes, como metais pesados. O consumo excessivo de algumas espécies, como o cação, pode não ser apenas prejudicial para o equilíbrio do oceano, mas também perigoso para a saúde humana.
As práticas de pesca sustentáveis, o desenvolvimento de tecnologias inovadoras de monitorização e a consciencialização contínua dos consumidores sobre a importância das escolhas sustentáveis são peças-chave para ultrapassar os desafios e garantir um futuro em que o peixe, necessário e tão apreciado pelos portugueses, continue a fazer parte da nossa alimentação.