É mais um caso em que a saúde humana é afetada diretamente pelo ambiente – e as consequências podem ser graves. Um artigo de três investigadores do Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF) da Escola Superior de Biotecnologia, da Universidade Católica no Porto, conclui que bactérias perigosas, nomeadamente as resistentes a antibióticos, são absorvidas pelas raízes e sobrevivem nas plantas, podendo passar para as pessoas que os comem.
O estudo de revisão bibliográfica focou-se em vegetais habitualmente consumidos crus, como alface, tomate, cenoura, rabanete e pepino, tentando perceber que tipo de bactérias vivem no seu interior (bactérias endofíticas). A análise encontrou vários microorganismos pertencentes aos géneros Enterobacter, Acinetobacter, Pseudomonas e Staphylococcus, grupos a que pertencem várias bactérias perigosas para a saúde.
“Fomos tentar compreender se as bactérias resistentes a antibióticos conseguem sobreviver nas raízes das plantas. E a resposta é sim”, diz à VISÃO Célia Manaia, uma das autoras do estudo. “Se tivermos um solo rico em organismos nocivos, esses organismos vão ser absorvidos. As plantas podem, então, servir como vetor de transmissão de bactérias resistentes do ambiente para os humanos.”
Na prática, o que acontece é que as plantas se limitam a captar as bactérias que encontram no ambiente: se os solos e a água não estiverem poluídos, absorvem bactérias benéficas; se estiverem poluídos, absorvem as más, lê-se na conclusão do estudo. “Plantas comestíveis que são normalmente consumidas cruas (…) podem ser vetores relevantes de bactérias resistentes a antibióticos. A nossa mensagem principal é que as plantas comestíveis podem ser seguras ou representar um risco microbiológico, dependendo da qualidade e segurança das águas e dos solos utilizados para a produção das plantas.”
Produtos bio mais suscetíveis a contaminação
Célia Manaia, que no ano passado foi uma dos 16 cientistas portugueses a entrar na lista dos mais citados do mundo (uma forma de medir a influência do trabalho que desempenham), não quer que esta avaliação cause alarmismo. Mas espera que sirva para melhorar o controlo da produção, com uma atenção particular à qualidade da água de rega, sobretudo porque “consumimos mais vegetais, e mais crus, do que antes”. “Há uma cada vez maior reutilização de águas das ETAR [Estações de Tratamento de Águas Residuais], mas as tecnologias para tratar as lamas são muito frágeis e ineficientes.”
O estudo “O risco de transmissão de resistência a antibióticos através de bactérias endofíticas”, publicado na revista científica Trends in Plant Science, também serve para “criar pontos de reflexão” entre os consumidores, acrescenta. “Os cidadãos têm de ser mais informados em relação ao que consomem. Podemos estar a correr riscos porque consumimos agriões e espinafres que não sabemos de onde vieram, ou rebentos de soja com má qualidade.” A cientista da Universidade Católica do Porto recorda o surto de E. coli de 2011, na Alemanha, que infetou 4 mil pessoas e matou 53. Na altura, as autoridades começaram por culpar pepinos produzidos em estufas espanholas, mas a investigação acabou por descobrir que a fonte da contaminação era feno-grego (uma especiaria) proveniente de uma quinta alemã de agricultura biológica.
Este tipo de agricultura, aliás, deve ser especialmente controlado, por ser mais propenso a contaminações, continua Célia Manaia. “A produção biológica utiliza fertilizantes orgânicos – estrumes – que, se não forem estabilizados através da secagem e amadurecimento, podem contaminar as plantas. As pessoas aceitam a produção bio de maneira acrítica, para evitar os pesticidas sintéticos, mas podem incorrer noutro tipo de problemas, se essa produção for feita numa imundície, com estrumes e água sem qualidade. Falta um conhecimento mais profundo ao consumidor, que tem uma perceção muito imediata das coisas. Quando compram um produto bio, têm de tentar saber onde foi produzido, conhecer o circuito de distribuição, e não julgar apenas porque o rótulo diz que é biológico.”