Uma crítica frequente às dietas à base de plantas e com menos produtos animais – que já sabemos serem mais saudáveis e mais amigas do ambiente – é a de que têm maiores custos e são impraticáveis em muitas regiões do mundo.
Mas um novo estudo vem sugerir o contrário. Em países desenvolvidos – como os EUA, Reino Unido, Austrália ou grande parte da Europa -, uma dieta vegetariana, vegana ou semivegetariana é também mais barata, podendo reduzir os custos de alimentação em um terço.
“Tem-se discutido muito o facto de a transição para dietas mais saudáveis e mais amigas do ambiente ser mais cara. Este estudo é uma evidência em sentido contrário e pode ajudar a fazer essa mudança”, diz Tiago Domingos, professor das áreas de desenvolvimento sustentável, energia e ambiente no Instituto Superior Técnico.
Um outro estudo, de 2020, concluíra que, apesar de uma dieta sustentável ser mais saudável, era também mais cara: excedia o rendimento familiar per capita para pelo menos 1,58 mil milhões de pessoas, a maioria de países menos desenvolvidos. O mesmo estudo acrescentava que uma dieta saudável, com frutas e legumes, era mais cara, em valores absolutos, para as famílias com maiores rendimentos e nos países mais desenvolvidos.
De acordo com Tiago Domingos, isto pode ser explicado por dois fatores. Em primeiro lugar, há evidência de que as pessoas que seguem dietas veganas, vegetarianas ou flexitarianas têm geralmente níveis educacionais e de rendimento mais elevados. “É uma estratégia comercial das empresas do setor agroalimentar e retalho”, explica. “Os alimentos mais típicos de uma dieta convencional são vendidos a um preço mais baixo, mas para consumidores mais informados, mais preocupados com a sua alimentação e com o ambiente, e que estão dispostos a pagar mais, a margem de lucro das empresas do agroalimentar e retalho é muito maior.”
Outro fator tem a ver com o facto de as frutas e hortaliças (alimentos essenciais e que são consumidos em grande quantidade nas dietas mais saudáveis) são de facto caros. “Se muitas pessoas começarem a querer consumir mais frutas e hortaliças, o preço destes produtos vai subir, e nomeadamente sobe porque deixam de se produzir só nos sítios onde é mais barato produzir e têm de se passar a produzir em mais sítios”, esclarece Domingos. “E a questão é que são muito mais os sítios do mundo onde se pode produzir carne e cereais, por exemplo, do que hortaliça e fruta”.
Por esta razão, não seria realisticamente possível toda a população mundial aderir a uma dieta mais saudável e sustentável sem aumentos nos custos.
Transição para dietas mais sustentáveis pode representar reduções de custos de até um terço
O novo estudo, publicado no The Lancet Planetary Health, além de comparar o custo de sete dietas sustentáveis com a dieta típica atual em 150 países, utilizando os preços dos alimentos do Programa Internacional de Comparação do Banco Mundial, também tem em conta projeções de procura e preços alimentares, para especificar cenários de sistema alimentar e de mudança socioeconómica até 2050.
Foram igualmente estimados os custos dos cuidados de saúde relacionados com a dieta, e os impactos climáticos de cada dieta, através da associação dos cenários dietéticos às pegadas de emissão de gases com efeito de estufa – dois valores que, segundo os investigadores, não são normalmente incluídos em estudos deste tipo.
Foram analisadas as dietas vegana, vegetariana, semivegetariana (também conhecida como flexitarianismo) e pescetariana.
O flexitarianismo é uma dieta em que o consumo de carne e produtos animais é drasticamente reduzido, mas não eliminado por completo. É baseada nas orientações da EAT-Lancet Planetary Health Diet, que incluem o consumo de, no máximo, duas porções por semana de carne branca, peixe e ovos, e menos de uma porção por dia de lacticínios. A carne vermelha é reduzida para uma porção por semana ou menos.
A grande maioria dos nutrientes desta dieta provém de frutas, legumes, cereais integrais, frutos secos e leguminosas. Recomenda-se a ingestão de 500 gramas de fruta e hortaliças por dia e pelo menos 100 gramas de proteína de origem vegetal por dia (como soja ou leguminosas).
Estima-se que este estilo alimentar seja suficientemente saudável para evitar até 11 milhões de mortes por ano. Ao mesmo tempo, é sustentável o suficiente para assegurar a produção de alimentos para 10 mil milhões de pessoas, dentro dos limites ambientais.
Os restantes padrões dietéticos foram obtidos alterando ligeiramente a quantidade de produtos animais consumidos na dieta semivegetariana.
A verdade é que, quanto menos frequente for o consumo de carne e outros produtos animais, maior é a redução nos custos. A dieta vegana foi mesmo a opção que se revelou mais acessível, o que pode constituir uma surpresa para muitos.
Em concreto, os investigadores constataram que, em países desenvolvidos, uma dieta vegana reduz os custos alimentares até um terço (entre 21% e 34%); uma dieta vegetariana reduz os custos em 27% a 31%; as semivegetarianas reduzem em 14%, e as pescetarianas (que excluem a carne mas não o peixe), em contrapartida, aumentaram os custos alimentares em 2%.
Qualquer uma destas dietas tem benefícios para a saúde, quando comparada com uma dieta tradicional. Um consumo reduzido de carne e produtos de origem animal está associado a um risco reduzido de cancro e outros problemas de saúde, sobretudo cardiovasculares.
Além disso, um consumo reduzido de produtos animais também está ligado a uma pegada de carbono reduzida, já que a indústria da carne é altamente poluente. Tiago Domingos confirma: “Os impactos [de uma dieta típica ocidental] são vários: mais emissões de gases com efeito de estufa, maiores impactos sobre a biodiversidade, associados à destruição de habitats que são necessários para produzir alimento para os animais, e impactos associados à utilização excessiva de adubos, que vão depois contaminar as águas.”
Benefícios desiguais
A redução de custos com uma transição para uma dieta mais sustentável é particularmente significativa em países desenvolvidos – onde uma dieta vegana, vegetariana ou semivegetariana representa uma redução de custos entre 22 a 34%, quando comparada com a dieta típica atual.
Mas em países em desenvolvimento – como é o caso da Índia ou da região da África subsariana – uma dieta saudável e sustentável seria até um quarto mais barata do que a dieta ocidental típica, mas pelo menos um terço mais cara do que as dietas típicas praticadas nesses países.
Portugal é um dos países onde, para Tiago Domingos, esta transição seria benéfica. “Portugal é um país desenvolvido e onde naturalmente conseguimos produzir fruta e hortaliça”, alimentos essenciais num regime alimentar saudável.
Mas e em relação aos países em desenvolvimento? A primeira solução seria “a redução de pobreza e aumento do nível de desenvolvimento socioeconómico destes países”, diz. Além disso, seria fundamental aumentar a produção mundial de fruta e hortaliças.
“Por exemplo, se em Portugal e noutros países mediterrâneos temos condições para produzir fruta e hortaliças, além de termos um beneficio económico, temos uma certa obrigação moral de produzir não só para o nosso próprio consumo mas também para alimentar outros países que não têm condições para produzir estes alimentos”, defende. “Se esta produção fosse muito reforçada, os preços iriam descer.”
O estudo examinou ainda opções políticas que poderiam ser tomadas para garantir esta realidade, e verificou que fazer as dietas saudáveis e sustentáveis acessíveis em todo o mundo é possível nos próximos dez anos. Mas para isso é necessário que o desenvolvimento económico, especialmente nos países em desenvolvimento, seja acompanhado de reduções no desperdício alimentar e de preço alimentares favoráveis ao clima e à saúde.