BOOM FESTIVAL
Herdade da Granja, Idanha-a-Nova. Desde 1997
Imagine-se um tempo e um lugar onde as mais variadas pessoas e sensibilidades convivem, isolados de tudo, de forma pacífica. Um festival onde a música é apenas mais um complemento para se viver um momento idílico. Onde a ecologia e o respeito pelo ambiente são realidade e não apenas conceito.
Onde várias artes se misturam com a natureza. Parece utópico, mas tem sido realidade na Herdade da Granja onde, a cada dois anos, sempre durante a lua cheia, se realiza o Boom Festival, surgido em meados dos anos 90, no seio da cultura rave então muito em voga, que é hoje um dos mais conceituados eventos de cultura independente do mundo e uma referência em termos ambientais e de sustentabilidade.
“Sabendo que a arte é uma forma muito eficiente de influenciar as pessoas, porque não aproveitar para o fazer abordando as questões que são realmente importantes no nosso tempo?” As palavras são de André Soares, 50 anos, responsável pala área de sustentabilidade do festival. “Somos um festival direcionado para o conforto, a alegria e o bem-estar das pessoas. A nossa preocupação é o público e não a venda de um artista ou uma marca. Este é um espaço onde se pode estar uma semana com muitos estímulos artísticos e com oportunidade para conhecer pessoas de todo o mundo. Recebemos gente de mais de 100 nacionalidades.”
As iniciativas de sensibilização ambiental começaram em 2002, à época mais direcionadas para a limpeza do local. “A grande evolução aconteceu em 2006, com o incremento de projetos próprios”, recorda Artur Mendes, 36 anos, com formação em psicologia social, e um dos diretores do festival. “Começámos a dar o exemplo e desde então temos visto grandes mudanças no comportamento do público, que sai de cá mais informado e sensibilizado devido ao contacto experiencial com esta realidade, seja por ver uma enorme estrutura de bambu a substituir o aço ou simplesmente por usar uma casa de banho compostável.”
A cada edição, a organização do Boom reserva cerca de 300 mil euros para gastar em projetos ambientais. Um investimento que lhes tem valido o reconhecimento internacional, com a atribuição de prémios (como o Green’n’Clean Festival of the Year 2012 e o Outstanding Greener Festival Award de 2008, 2010 e 2012) ou o convite, por parte da ONU, para fazer parte do projeto United Nations Environmental and Music Stakeholder Initiative, que promove a consciência ambiental através da música.
“Somos considerados o evento de música líder mundial a este nível, o que é um feito enorme para um festival português de cultura independente, realizado sem qualquer patrocínio ou apoio estatal”, sublinha. Desde o ano passado que a organização do Boom está também presente no festival rock de Roskilde, um dos maiores eventos de música do mundo, realizado anualmente na Dinamarca, para o qual foi convidada a desenvolver e implementar um programa ambiental.
Entre as medidas implementadas no Boom destacam-se, por exemplo, 25 por cento da herdade movida a energias renováveis, o reaproveitamento do óleo vegetal utilizado nos geradores, o tratamento das águas residuais do recinto com plantas ou as já célebres casas de banhos compostáveis, a face mais visível desta filosofia, que surpreende os visitantes pela ausência de mau cheiro mesmo após uma semana de festival.
ECOFESTIVAL MUSICA SALVA A TERRA
Salvaterra do Extremo. Desde 2009
A tarefa de compensar a pegada ecológica dos quatro dias de festival que se realizaram em junho ainda não está terminada. Este mês, a organização do Salva a Terra Eco Festival de Música, vai plantar árvores autóctones, como sobreiros e azinheiras, na região onde se realiza o evento (concelho de Idanha-a-Nova), para anular a poluição provocada pelas deslocações da equipa e dos músicos.
Este é apenas mais um dos motivos que lhes valeu o prémio de Festival Mais Sustentável (ex aequo, com o Musa, em Carcavelos), atribuído na primeira edição dos Portugal Festival Awards, que se realizou no mês passado. “O troféu é um desafio para irmos mais longe”, afirma, orgulhoso, Samuel Infante, 37 anos, um dos albicastrenses por trás da organização.
Foi durante uma conversa de amigos que surgiu a ideia de criar um festival para fazer frente às dificuldades de financiamento do Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens (CERAS), gerido pelo núcleo da Quercus de Castelo Branco, do qual Samuel é o principal responsável. O local escolhido para a realização do evento foi a aldeia de Salvaterra do Extremo, em pleno Parque Natural do Tejo Internacional.
A organização trabalha em regime de voluntariado e as bandas não recebem cachê, só as despesas estão garantidas.
Mesmo assim, muitas contactam a organização e dispõem-se a tocar ali. Todo o dinheiro angariado (o bilhete de quatro dias custa 30 euros) reverte para o CERAS as receitas da última edição vão financiar dois anos de medicamentos para cerca de 400 animais selvagens feridos.
A direção artística está a cargo de José Quezada, do projeto Velha Gaiteira, que divulga a gaita de fole transmontana e percussões tradicionais da Beira Baixa. Há uma noite dedicada aos sons de África, outra à música de fusão e, por fim, à tradicional. Frankie Chavez, Orlando Santos ou Farra Fanfarra são alguns dos artistas que já pisaram o palco do Salva a Terra, mas também há workshops, conferências e exposições.
À chegada, os festivaleiros não devem contar com ofertas de patrocinadores, mas recebem uma caneca para usar durante o evento e sabonetes ecológicos. A cantina é vegetariana e há uma feira de produtos biológicos no recinto. Apesar da próxima edição ser em 2015 (o evento é bianual), Samuel já tem uma nova ideia: “Realizar um workshop de detergentes ecológicos que, depois, serão usados para lavar a loiça usada no festival”.
CINE’ECO
Seia. Desde 1995
O cinema ambiental calha bem com os queijos da Dona Maria, o vinho Dão e os bons ares da serra. Assim tem sido nos últimos 19 anos, num festival que ajuda Seia a afirmar-se como capital portuguesa do ambiente.
O CineEco é um dos vetores de uma autarquia que vê a ecologia como uma estratégia de desenvolvimento social e económico. E se hoje a ecologia é um futuro cada vez mais presente, fundar um festival de cinema ambiental em 1995 foi um ato vanguardista. A ideia surgiu de forma quase espontânea. Em 1994, um grupo de amigos, incluindo o atual diretor Mário Branquinho, organizaram uma mostra de vídeo ambiental, à base de filmes da região. A coisa correu bem e, no ano seguinte, descobriram parceiros para transformar a mostra num festival.
Hoje a Câmara Municipal assume a organização em exclusivo. Ao longo das 16 primeiras edições a direção do festival ficou a cargo do realizador e cinéfilo Lauro António. Em 2011, o CineEco foi organizado pela associação Zero em Comportamento, que fez uma edição espampanante.
Até que, em 2012, fruto da crise, o CineEco viveu sérias dificuldades, e teve uma espécie de ano zero. Branquinho, que era o responsável executivo, assumiu-se como diretor e convidou para programador o jornalista e crítico de cinema José Vieira Mendes. Fizeram um festival com um orçamento mínimo, quase sem convidados. Mas este ano, com a mesma equipa, o CineEco voltou a crescer, batendo o recorde de espectadores (mais de 6 mil) e de filmes inscritos. Cumpriu bem os três objetivos: mais público, maior notoriedade e melhores filmes (a secção competitiva foi assinalável).
A maioria dos filmes apresentados no CineEco serve essencialmente para denunciar pequenas ou grandes atrocidades que se fazem ao planeta. Mas o júri deste ano atribuiu o prémio principal a Se Eu Tivesse uma Vaca, de Norma Nebot, curta-metragem espanhola, filmada no Burkina Faso, que é, pelo contrário, um excelente exemplo de como a entreajuda pode ter resultados benéficos. Outra espanhola, Amaya Sumpsi, recebeu o prémio da Competição Lusófona, por Meu Pescador, Meu Velho sobre uma comunidade açoriana.
O CineEco já está no circuito mundial de festivais dedicados ao ambiente (tendo sido mesmo um dos fundadores da Green Film Network) e promove extensões em vários pontos do país. Em 2014, celebram-se 20 anos de festival e Mário Branquinho espera um orçamento reforçado, para poder trazer mais convidados e proporcionar talvez algumas surpresas, como um grande encontro sobre o Ambiente ou mesmo um filme produzido pelo próprio festival. De resto, desde o seu início que o festival valoriza os filmes da região, através de uma competição regional, com grande impacto na comunidade. Um dos rituais mais (in)esperados do CineEco é o famoso jantar do castelo. Alberto Toscano, dono do palacete do centro da cidade, oferece anualmente à corte do CineEco um autêntico banquete, com vinhos, queijos, enchidos e doces locais… É a verdadeira ceia de Seia.
FESTIVAL TEMPO D’ALDEIA
São Pedro de Rio Seco, Almeida. Desde 2012
Participar num workshop de tração animal ou fazer um “safari” de trator são atividades que estão muito longe da programação habitual dos festivais mainstream. Talvez seja precisamente por isso que são os primeiros exemplos que vêm à memória de Bruno Gomes, 28 anos, quando descreve o Festival Tempo d’Aldeia, que ajuda a organizar na aldeia de S. Pedro de Rio Seco, no concelho de Almeida, distrito da Guarda.
“Valorizar o mundo rural” e contribuir para a “descentralização” são os objetivos do encontro de cinco dias que, este ano, se realizou no início de agosto. A organização aguarda os resultados da análise da Quercus, que fez questionários aos participantes sobre os meios de transporte utilizados, e está a contabilizar o lixo produzido, a eletricidade e a água consumidas para avaliarem o impacto ecológico que precisam de compensar. Os copos de plástico são proibidos, claro, e já surpreenderam muitos aldeões com as “excentricidades” do refeitório vegetariano, como o “alho francês à Brás”.
Apesar de pouco ter a ver com sustentabilidade, a Rota das Adegas é um dos momentos mais aguardados pelos festivaleiros, que passam por várias adegas tradicionais para provarem vinho. No ano passado, uma das nove residências artísticas promovidas pelo festival deu origem a um espetáculo com o coro da igreja local. Envolver a população é um dos objetivos de Bruno, que deixou Almada para trás há dois anos, depois de vencer o concurso Ribacôa (promovido pela Fundação Vox Populi para premiar projetos de valorização da região) com o Dorso Ecológico, que tinha como tema as mais-valias que o burro pode trazer para a sustentabilidade da aldeia.
O festival reúne cerca de 500 pessoas na aldeia e, para quem vem de fora, o site do evento promove a partilha de boleias. O desejo de Bruno é que o evento se realize noutras aldeias interessadas em valorizarem-se. Por isso, promove vários debates durante o certame sobre projetos que “tiram proveito das potencialidades do mundo rural”. “Não defendemos um regresso ao passado”, diz, “mas um interior com futuro”.
ANDANÇAS
Barragem de Póvoa e Meadas, Castelo de Vide Desde 1995
O nome deste festival não lhe podia assentar melhor. Não só porque tem como um dos principais objetivos promover as danças populares de várias latitudes, mas também porque, desde que nasceu, em 1995, em Évora, já andou por diversas paragens realizou a maior parte das edições em Carvalhais (São Pedro do Sul), passou por Celorico da Beira e, agora, estacionou ao lado da pequena barragem de Póvoa e Meadas (Castelo de Vide), aonde vai regressar em 2014 (de 4 a 10 de agosto).
É organizado pela Associação Pé de Xumbo, que tem expressa, nos seus estatutos, a preocupação com “os princípios e os valores ambientais”. Essa preocupação estendeu-se, de forma mais pensada e trabalhada, ao Andanças, a partir de 2005, quando foi formado um grupo de pessoas para estudarem essa questão. Graça Gonçalves, da organização, e mais ligada aos assuntos da sustentabilidade, destaca, hoje, sem hesitar, “a caneca” como símbolo do lado verde do festival: “Abolimos completamente o uso de copos de plástico, cada pessoa pode levar a sua caneca de casa ou, então, alugar uma, de alumínio, junto da organização, para a usar durante todos os dias do festival; essas canecas, que cada um identifica à sua maneira, acabaram por fazer parte da imagem do Andanças.”
Mas há mais, claro: promove-se o uso de água da torneira, faz-se uma separação dos resíduos para reciclagem e compostagem, na cantina, na hora de encher os pratos, leva-se muito a sério a ideia de evitar desperdícios e, talvez o mais importante quando se fala de descentralização e sustentabilidade, há uma política ativa para comprar na região (aos agricultores e comércio locais) o máximo de produtos necessários à realização do festival. E, já se sabe, com a consciência leve, dança-se muito melhor.