“O mar espreguiçando-se na areia, trouxe no seu espreguiçar, algas envoltas em espuma. E quando à noite veio a maré cheia, voltaram todas ao mar, mas na praia ficou uma…” Talvez sejam já dias a mais no mar. Talvez seja a nostalgia de ver uma praia a bombordo, no horizonte, talvez seja apenas a melancolia que me traz à memória a voz de Celeste Rodrigues quando interpreta o fado da lenda das algas. Mergulhar no mundo das algas, significa viajar no tempo, um percurso que nos remonta à antiguidade quando as ricas velhas e sábias “senhoras” reinavam no planeta. As algas foram dos primeiros seres vivos a habitar a Terra. O mais antigo fóssil, datado com 3800 milhões de anos é pertencente ao período Pré-Câmbrico. Inquestionável, é o facto de terem desempenhado um papel preponderante na formação de oxigénio na atmosfera.
Atualmente, as algas são responsáveis pela maior parte da produção de oxigénio, nos ecossistemas aquáticos. Assumindo o papel de produtores primários, formam a base da cadeia alimentar e de toda a cadeia trófica.
Diferentes espécies de algas têm sido utilizadas para alimentação, fertilizante dos solos e para fins medicinais, há centenas ou mesmo milhares de anos. Os chineses usam-nas há cerca de 3000 anos na sua medicina tradicional. Em Portugal, a apanha de algas remonta ao século XIII, essencialmente utilizada na agricultura como fertilizante, como é o caso do moliço e do sargaço na costa norte, cuja apanha entretanto decaiu em termos comerciais.
Dora Jesus, formada em Biologia Marinha e Pescas, conhece bem este tema, fruto de vários estudos e especializações. Ainda a bordo do Creoula, durante a campanha M@rBis, dá-me a perceber um pouco sobre o peso e importância adormecida deste universo. Oiçamo-la:
“Apenas durante a II Grande Guerra, Portugal descobriu outro do seu potencial, as algas vermelhas agarófitas, a partir das quais se extraem compostos gelatinosos, o agár-agár, extraído do Gelidium corneum e a carragena ou carragenana, extraída do Chondrus crispus. O agár-agár é um dos hidrocolóides cujo uso conhece maiores aplicações. Desde a microbiologia como meio sólido de cultura, à indústria alimentar como emulsificante e conservante, como pectina em gelatinas, compotas e marmeladas e como agente clarificador na produção de cervejas, vinhos e café. De uma outra espécie de alga extrai-se sacarina usada como adoçante. A partir de hoje, ffique ainda mais atento aos rótulos dos produtos que consumir e verifique o código E406 – significa que é Ágar Ágar, extraído da espécie Gelidium. Também a indústria têxtil as usa como cola para tecidos ou impermeabilização de peças de roupa ou mesmo como lubrificante na fabricação de lâmpadas ou na indústria fotográfica na produção de películas. A carragena é um polissacarídeo, o qual pode ser hidratado formando uma solução viscosa ou uma dispersão, atua como estabilizante, espessante, emulsificante, adesivo, floculante, lubrificante e outros, tanto em sistemas aquosos como em sistemas lácteos, no caso das sobremesas lácteas e pudins é utilizado como espessante. Citando apenas alguns exemplos de como os nossos investigadores e cientistas se encontram na vanguarda da investigação sobre o potencial que as algas representam, várias equipas universitárias encontram-se já a testar moléculas de algas, para algumas terapêuticas específicas de doenças neuro-degenerativas. De igual modo, como têm capacidade anti-tumoral, assumem o potencial para serem usadas em quimioterapia. Vários compostos de algas têm uma capacidade antibacteriana, mostrando-se vitais para o desenvolvimento de novos antibióticos, e de antifúngicos. Os cientistas também já constataram que certas bactérias existentes em algas, quando sujeitas a um processo de crescimento em laboratório, produzem grandes quantidades da enzima Q10, muito usada no fabrico de cremes de beleza. Trata-se de um trabalho árduo, por vezes inglório, o de cimentar o conhecimento científico e sobretudo fazer despertar uma indústria nacional que teima em importar tudo o que temos armazenado à espera de ser projetado no plano comercial. A zona sul de Portugal já foi uma das mais importantes zonas de extração de uma das principais espécies, Gelidium corneum, com duas importantes áreas de apanha, em Lagos e na Azenha do Mar, em Odemira. A apanha de Gelidium parou em Lagos, nos fins da década de 80 do século passado, após a construção da marina e apenas em 2004, na Azenha do Mar. Das espécies de algas que podem ser encontradas na costa algarvia, outras utilizações são conhecidas, seja na alimentação (por exemplo a Nori atlântico – Porphyra spp.) ou nas indústrias farmacêutica e de cosmética como é o caso das algas do género Fucus ou da alga Asparagopsis armata, uma espécie invasora, entretanto disseminada por todo o mundo, de onde são extraídos compostos para o fabrico de antibióticos, ou para a produção de cosméticos devido às suas propriedades antibacterianas e antioxidantes.”
Não é à toa que os japoneses mantêm algas marinhas na sua dieta alimentar. As algas podem reduzir a 50 a 60% a quantidade de estrôncio radioativo, substância responsável pela reprodução de células cancerígenas. De forma direta a sua utilização está intimamente ligada à prevenção da leucemia e hipertensão, auxiliando o sistema digestivo. As algas marinhas são também, uma ótima fonte de iodo, mineral essencial ao correto funcionamento da tiroide. Se o assunto é tratar e prevenir o envelhecimento cutâneo, as algas também podem ser usadas. O seu resultado é bastante satisfatório: A ação dos ingredientes ativos presentes nas algas acarreta um aumento da síntese proteica e são ótimas na aceleração da regeneração celular a nível cutâneo. Para os vegetarianos e para quem consome pouca ou nenhuma carne ou peixe, as algas marinhas podem ajudar a reabastecer e a manter as reservas de ferro. A su ingestão regular ajuda também a combater anemias. Além de aumentar o volume das refeições através da sua composição gelatinosa e um elevado teor de fibras, as algas não contém gordura ou calorias, ajudando inclusive, no emagrecimento.
Estibaliz Berecibar nasceu no país basco, formada em Ciências do Mar e doutorada em Algas marinhas de Portugal. Cedo se apaixonou pelo estudo do “ouro do mar”. É um nome incontornável no que toca ao conhecimento de algas e, conhece como ninguém os fundos marinhos portugueses. Mergulhou entre 2003 e 2009 na costa portuguesa, a fim de recolher o maior número possível de dados e inventariar as espécies de algas que povoam a nossa costa. Identificou 545 espécies, acrescentando 180 espécies ao registo anterior para a costa portuguesa e melhorando substancialmente o conhecimento científico sobre algas existente em Portugal, o último estudo havia sido efetuado na década de sessenta. Integrou em 2009 a Estrutura de missão para a expansão da plataforma continental e surge atualmente na cabeça do pelotão da equipa que comanda as campanhas M@rBis, trabalhando também na criação de uma base de dados das algas portuguesas, da sua biodiversidade e de um herbário que as classifique e as descreva cientificamente.
O seu nome ficou ainda mais conhecido por ter sido citado e abusado no texto dos exames nacionais na disciplina de Português do 4º ano, onde os alunos interpretaram uma notícia do jornal público sobre as descobertas efetuadas por Estibaliz Berecibar, durante a campanha M@rBis nas Berlengas em 2012.
“Considero que as algas são o ouro do mar. As ilhas Canárias, onde iniciei os meus estudos e trabalho de campo, são um bom exemplo da exploração desta preciosidade, que é utilizada na restauração, cosmética e indústria farmacêutica. As algas têm muito potencial. Em Portugal, no centro e norte do país ainda se passam licenças para a vida a apanha de algas – uma vida dura, para os apanhadores. Sobretudo são vítimas de frequentes acidentes de descompressão, só recuperáveis em câmaras hiperbáricas. O Algarve não possui esta tradição, pois em termos de condições naturais existe menos densidade de tapetes de algas. Apenas na Ria Formosa existe uma empresa de cultivo de algas. A aquacultura de algas não é um negócio que prolifere em Portugal, necessita de especialização bastante apurada e muita formação e conhecimento das espécies e suas potencialidades. O nosso mercado é pequeno e pesa bastante contra, o facto de 98% do produto ser composto por água. No norte, cultivam-se algas essencialmente para a indústria da cozinha japonesa: aquela folha preta que envolve os temakis por exemplo, é uma alga. A importância das micro e macroalgas, prende-se com a função vital da fotossíntese. Elas são a estrutura base da cadeia trófica. Como vegetais que são, desempenham um papel fundamental na filtração de matéria inorgânica. São excelentes indicadores do estado de saúde da água, absorvem metais pesados e transmitem em tempo real o estado de conservação dos meios marinhos. São bioindicadores e bons gestores da zona. Se fossem colocadas perto de efluentes, de estações de tratamento de águas residuais e de zonas de descarga seria fácil perceber a composição do ecossistema e monitorizar a sua saúde. A alga Asparagospsis armata tem compostos químicos usados na indústria farmacêutica, é usada para o cultivo de toxinas. Depois do desastre nuclear de Fukushima e com toda a contaminação subsequente os mercados perderam confiança na qualidade das algas que o Japão exporta. Deveríamos aproveitar essa oportunidade para colocar, revitalizar o mercado português e potenciar a criação de mais aquacultura de algas. Até ao momento não se criaram condições adequadas ao cultivo, as autoridades competentes deveriam proteger zonas como as rias de aveiro e a ria Formosa e possibilitar a implantação de cultivo de algas. A ria Formosa seria para mim, o local de eleição pois tem salinas e culturas protegidas, e já lá existe aquacultura”, defende Esti, como é conhecida no meio científico.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura os dados mais recentes deste próspero negócio apontam para números astronómicos, na ordem das 90000 toneladas anuais de algas recolhidas, em peso seco, correspondendo a 1100 milhões de euros.
Estibaliz Berecibar cuida e fala de algas da mesma forma que o seu marido Christian cuida da horta lá de casa, e sobretudo do seu filho recém-nascido Leo, com amor e muita paixão. O marido de Esti é de origem sueca e também ele vive ligado ao mar, é piloto de ROV (robôs submarinos comandados remotamente que são os olhos e as mãos da ciência a grandes profundidades), aliás, o casal conheceu-se no meio do atlântico durante uma dessas campanhas e dada a sua paixão por algas parece mesmo que o elegeu pelo seu apelido, Landgreen.
Durante as campanhas M@rBis as algas são recolhidas em mergulho, de salientar que foram encontradas no Algarve espécies próprias, mediterrânicas, normalmente encontradas em regiões subtropicais. Depois de serem triadas, são identificadas, liofilizadas com recurso a sílica para retirar a água, pois são preservadas secas para a sua análise genética. criando-se assim um algário completo sobre as espécies de algas existentes em Portugal.
Se conhecer as algas significa entrar num universo em expansão, consumi-las parece cada vez mais pertinente e um lugar-comum. Se cuidam dos oceanos e da sua biodiversidade como sendo as avós da vida na terra, com os seus ensinamentos naturais conduzir-nos-ão a uma vida mais saudável.