Começava assim o anúncio a uma conhecida marca de carnes, que culminava com a mãe a responder que o fiambre vinha da referida marca.
Muitos de nós, ainda que saibamos que os alimentos que ingerimos têm a sua proveniência em determinado animal, escondemos lá bem fundo na nossa consciência que para que aquele suculento secreto de porco preto pudesse estar no nosso prato, houve de facto um animal que teve que perder a vida.
Esta realidade está lá, nua e crua. Para que uns se possam alimentar, outros perdem a vida. Não vou entrar aqui na eterna discussão, entre os vegetarianos e os que não o são, de que poderíamos alimentar-nos só e apenas de vegetais. Há argumentos válidos de parte a parte. Há inclusive o tópico urgente da pressão gigantesca exercida, nos nossos recursos e no planeta Terra (que celebra o seu dia no momento em que escrevo este texto), por causa da crescente procura de carne. Mas dessa realidade não há como fugir, aquele bife ou costeleta já foi um ser vivo que deixou de o ser.
Mas o mais importante, e o que me trouxe a abordar este assunto, é pensarmos como é que esses animais foram criados, como foram transportados e como foram abatidos. É este mais um dos tópicos dos quais fugimos enfiando a nossa cabecinha na areia. E não vale a pena pensar que há animais que não sentem assim tanto. Como aqueles pseudo-vegetarianos que comem peixe porque esses animais não sofrem. Não sofrem? Podemos ter evoluído um pouco na forma de abate nos matadouros, mas os peixes continuam a ser deixados a sufocar até à morte no convés dos barcos de pesca.
Os alimentos que consumimos tornaram-se, com a globalização, mais baratos. Temos hoje acesso a alimentos que os nossos pais nem em dia de festa muitas vezes conseguiriam ter. É chocante que a fruta produzida do outro lado do atlântico seja mais barata do que a produzida no nosso país. O mesmo se passa com a carne. Mas essa baixa de preços paga-se com a massificação da produção e com a redução dos custos. E essa redução de custos consegue-se, muitas vezes, com o baixar cada vez mais um bocadinho da fasquia da ética. Não nos enganemos, o bem-estar animal paga-se. O espaço que se dá aos animais, o tempo que eles levam até à idade de abate, os cuidados com a sua saúde, as condições de transporte, as condições de abate. Tudo isso é a somar. A somar na produção e a somar no custo final.
Mas nós não queremos pagar. Muitas vezes não é o não podermos, é o não querermos. Queremos a nossa carne barata, porque queremos continuar a poder ter acesso às nossas comodidades, como telemóveis, internet de banda larga, televisão por cabo. Não é uma realidade generalizável a todos, mas a muitos.
Os alimentos biológicos, que estão mais próximos de cumprir com todos os nossos ideais de vaquinhas a comer pasto fresco ao sol, custam mais. E são caros exatamente por essa razão. Porque vaquinhas e porquinhos “felizes” ao sol saem mais caros. Galinhas às escuras e sem espaço para se mexer saem mais baratas. A escolha será sempre nossa. Temos é que ter noção que existe esta dualidade e que temos o poder de escolher.
Eu não sou vegetariano. Nem está nos meus planos a curto/médio prazo tornar-me num. Mas por vezes forço-me desenterrar esta realidade da minha consciência. Outras vezes esta é-me esfregada na cara, como quando me lembrei de escrever este texto logo após de ter ultrapassado um camião de transporte de frangos vivos na autoestrada. Não eram frangos “felizes”, eram frangos baratos.
Eu, pessoalmente, tenho que ter esta consciência para que perceba que tenho uma escolha a fazer, caso queira continuar a comer carne. É que, contrariamente ao anúncio, eu sei que o fiambre, que comi no pão ao pequeno-almoço, não nasceu já embalado.