“Sublinhando a importância de aumentar a quota de energias renováveis no mix energético a todos os níveis como parte da diversificação das redes e dos sistemas energéticos, incentivam-se os esforços contínuos para acelerar as medidas para a eliminação gradual do crescimento incessante do carvão e a eliminação progressiva e racionalização dos subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis, de acordo com as circunstâncias nacionais e reconhecendo a necessidade de apoio para transições justas.”
Este é um dos excertos do texto-base da 27ª Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, da ONU, que será agora discutido pelos delegados dos países reunidos em Sharm El Sheikh, no Egito, para tentarem chegar a um documento consensual, até amanhã, 18, último dia da cimeira.
Na verdade, esta citação é decalcada da declaração final da COP26, que decorreu há um ano em Glasgow, já na altura criticada pela sua falta de ambição. Na altura, depois de rascunhos iniciais que apontavam para a eliminação gradual do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis, a linguagem foi suavizada, passando a eliminação do “crescimento incessante” do carvão e dos “subsídios ineficientes”, o que constituiu um passo atrás na luta contra as alterações climáticas, face às primeiras propostas. O ponto de partida, portanto, é o ponto de chegada de Glasgow. As negociações que decorrem agora, se seguirem o guião do ano passado, podem conduzir a um consenso ainda menos ambicioso.
Para Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, que se encontra no Egito a acompanhar a COP27, não há dúvidas: este documento não representa um avanço ou progresso em relação a Glasgow. Pelo contrário: “Em alguns casos, há até um retrocesso.”
Jorge Cristino, especialista em sustentabilidade ambiental e alterações climáticas, e igualmente presente na cimeira do clima, usa o mesmo termo para definir este rascunho. “Vemos retrocessos que não esperava, principalmente na necessidade de diminuição e eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, muito devido à crise energética provocada pela Guerra na Ucrânia. Era suposto que esta COP, em Sharm El Sheikh, fosse mais longe que a anterior, até porque as evidências cientificas dizem-nos que a subida 1,5ºC no aquecimento global, não deverá ser encarado como um objetivo, mas como um limite. Requere-se que neste momento haja, não só mais ambição climática, mas também mais solidariedade, equidade e imparcialidade climática nas decisões dos lideres mundiais. A próxima COP será nos Emirados Árabes e seria exemplar dar um sinal ao mundo no sentido de que haverá progressos, não só no financiamento à adaptação e às perdas e danos, com aplicação imediata, em 2023, não em 2025 ou em 2030, em que já vamos tarde.”
O autor do livro A Missão das Cidades no Combate às Alterações Climáticas sublinha igualmente o facto de as metas serem apontadas para 2030 e 2050, “quando existe uma necessidade de antecipar e começar a monitorizar os investimentos e as medidas aplicar já a partir em 2025, no que respeita ao aumento das energias renováveis, à redução dos combustíveis fósseis, à redução das emissões e ao aumento do sequestro e da biocapacidade.” Jorge Cristino define ainda o documento, neste capítulo, como “pouco ambicioso no que respeita aos mecanismos de contabilidade e valorização dos serviços de ecossistemas, de modo a que se crie um mercado que valorize mais o capital natural, e que permita atuar mais na proteção da natureza, e não correr apenas atrás do prejuízo, como é o exemplo das medidas financiamento que estão em cima da mesa das negociações”.