O estudo “Vozes dos Jovens sobre a Ansiedade Climática, Traição Governamental e Lesões Morais”, publicado na revista científica Lancet Planetary Health, que inquiriu cerca de 10 mil jovens de todo o mundo, concluiu que parte dos elevados níveis de angústia psicológica nos jovens entre os 16 e os 25 anos se deve à inação governamental perante as alterações climáticas.
Na primeira parte da investigação, os investigadores constataram que quatro em cada 10 jovens em todo o mundo está a hesitar em ter filhos, e que quase seis em cada 10 estão muito ou extremamente preocupados com as alterações climáticas. Um número semelhante considera que os governos não os estão a proteger, nem ao planeta, sentindo-se traídos pelas gerações mais velhas.
Além disso, três quartos concordaram com a afirmação “o futuro é assustador”, mais de metade sentiram que teriam menos oportunidades do que os seus pais e quase metade sentiu-se angustiado ou ansioso com o clima de uma forma que estava já a afetar a sua vida quotidiana.
A par com os resultados do inquérito, os jovens ativistas que participaram na segunda parte do estudo através de entrevistas complementares salientaram que estes sentimentos de ansiedade são agora mais generalizados entre os jovens, denominando-se como “encalhados pela lacuna geracional”. Uma das jovens, Luisa Neubauer, ativista climática de 25 anos que fez parte do movimento que forçou o governo alemão a reavaliar as suas políticas climáticas, garante que os jovens estão efetivamente a repensar ser pais. “Conheço muitas raparigas jovens que perguntam se ainda é bom ter filhos.”
Na perspetiva da ativista, esta realidade diz muito sobre a preocupação que existe perante a crise climática. E, acrescenta, “os governos continuam a falhar, uma vez que as emissões estão a subir para níveis recorde”.
Também Mitzi Tan, de 23 anos de idade, contou que cresceu a ter medo de se afogar no próprio quarto e que essa ansiedade climática se deve ao “profundo sentimento de traição devido à inação governamental”. “A sociedade diz-me que esta ansiedade é um medo irracional que precisa de ser superado, um medo que a meditação e mecanismos saudáveis de lidar com o problema ‘resolverão’ [mas] para enfrentar a nossa crescente ansiedade climática, precisamos de justiça.”
“Este estudo pinta um quadro horrível da ansiedade climática generalizada entre as crianças e jovens”, salientou Caroline Hickman, professora de Psicologia Climática na Universidade de Bath, na Inglaterra, e líder do estudo, acrescentando que este estudo deveria ser um estímulo para a mudança. “Para proteger a saúde mental e o bem-estar dos jovens, os que estão no poder devem agir para reduzir stress e angústia através do reconhecimento, compreensão e validação dos medos e da dor dos jovens, reconhecendo os seus direitos e colocando-os no centro da elaboração de políticas”, lê-se no estudo.
À atenção da ONU
Esta investigação, a somar a outras que também encontraram elevados níveis de ansiedade relacionados com a crise climática em todo o mundo (incluindo o receio de ter filhos), destacou ainda que se deve reconhecer os obstáculos que existem e englobar os fatores relacionais, psicossociais, culturais, éticos, legais e políticos. Além disso, face aos resultados do inquérito, para que se consiga dar maior capacidade de resposta às crianças e aos jovens, há a necessidade de uma investigação ainda mais aprofundada sobre esta crise emergente de saúde pública.
François Hollande, presidente de França quando o Acordo de Paris foi assinado, em 2015, instou os governos que se vão reunir entre 31 de outubro e 12 de novembro, em Glasgow Escócia, na Cop26 (26ª conferência da ONU sobre Alterações Climáticas), a terem o estudo em atenção, para que uma ação conjunta em prol das gerações mais jovens do futuro seja tomada com urgência. “Seis anos depois do Acordo de Paris, devemos abrir os nossos olhos à violência das alterações climáticas, ao seu impacto no nosso planeta, e também à saúde mental da nossa juventude, como este alarmante estudo demonstra”, salientou, citado pelo The Guardian.
Também no início deste mês, a Unicef descobriu que crianças e jovens de todo o mundo são as principais vítimas da crise climática, com mil milhões de crianças em “risco extremo” devido aos impactos do aquecimento.