Cultivar café de qualidade está a tornar-se cada vez mais difícil, à medida que as temperaturas médias aumentam e a precipitação se torna mais irregular, o que torna cada vez mais difícil alimentar a procura.
Mas uma redescoberta pode vir a fazer a diferença para o setor. A planta de café Stenophylla, oriunda da África Ocidental, que se acreditava estar extinta, foi encontrada em condições selvagens na Serra Leoa por um grupo de investigadores do Real Jardim Botânico Kew, no Reino Unido.
A descoberta ocorreu durante uma missão em 2018, que procurava exatamente esta espécie de café. A equipa encontrou uma plantação selvagem com cerca de 15 plantas Stenophylla a crescer nas colinas de Kambui, Serra Leoa. A planta não era vista desde 1954 na Serra Leoa e desde 1980 na Costa do Marfim. Os grãos de café foram retirados dos frutos da Stenophylla, que são pretos e não vermelhos ou amarelos, como os das plantas arábica e robusta, e foram levados como amostra para teste.
Os mesmos investigadores publicaram um estudo em abril, na revista Nature Plants, com as conclusões obtidas das amostras testadas, que revelaram que o café Stenophylla é de alta qualidade e excelente sabor, comparável aos melhores grãos de arábica.
O teste consistiu na preparação de café com amostras dos grãos de café da Serra Leoa e da Costa do Marfim, que foi degustado, às cegas, por 18 especialistas. Os dados indicaram que 80% dos jurados não foram capazes de notar a diferença entre o café feito com Stenophylla e o arábica. O Stenophylla apresentou um perfil de sabor complexo, com doçura natural, acidez médio-alta, frutado e bom “corpo”.
“Os mercados de café estão muito interessados em qualquer coisa que seja diferente, especialmente se tiver atributos de bom sabor”, afirmou Jeremy Haggar, um dos investigadores, à CNN. “É muito provável que o mercado de cafés especiais se interesse e pague preços muito altos.”
Uma das grandes vantagens desta planta é a resistência a temperaturas mais quentes, que facilita as condições de crescimento e oferece maior estabilidade à indústria de café, que se vê prejudicada pelas alterações climáticas e por algumas doenças que afetam as plantas. A temperatura ideal para o desenvolvimento da Stenophylla é entre 25 e 26 graus Celsius, suportando confortavelmente mais seis graus do que o arábica, que se desenvolve entre os 18 e 20 graus, e o robusta, que varia entre os 16 e os 24 graus.
Até poder ser utilizada na indústria de café, a planta selvagem precisa de ser domesticada e estudada, para desenvolver melhores estratégias de crescimento, e protegida da desflorestação em grande escala nos países onde cresce na natureza: Serra Leoa, Guiné e Costa do Marfim. Apesar de serem conhecidas 124 espécies de café, apenas o arábica e o robusta oferecem o sabor e a qualidade procurada no mercado, representando 99% da produção global.
“A longo prazo, a Stenophylla fornece um importante recurso para o cultivo de uma nova geração de plantas de café resistentes ao clima, já que possui um ótimo sabor e tolerância ao calor. Se os relatórios históricos de resistência à ferrugem do café e tolerância à seca forem considerados corretos, isso pode representar mais ativos úteis para a comercialização do produto”, disse Aaron Davis, investigador do Real Jardim Botânico Kew, de acordo com o Washington Post.
Na história do café sabemos que, na Serra Leoa, “na década de 1890, era o café Stenophylla que dominava o mercado”, disse Sarmu, um dos investigadores do estudo, à CNN. Era o café preferido dos franceses e frequentemente comercializado na década de 1920. Contudo, em 1950, o café robusta foi introduzido na Serra Leoa pelos britânicos, por ser uma planta mais produtiva e de igual preço, o que levou os agricultores a investir nessa planta e a esquecer a Stenophylla.
A exportação de café era um importante contributo para a economia do país, e até 1991 a Serra Leoa exportava até 25 mil toneladas de café por ano. No mesmo ano, o conflito com a Libéria, que desencadeou uma guerra civil de 11 anos, levou os agricultores a abandonarem os campos e a indústria do café desapareceu.
A Serra Leoa é um dos países mais pobres do mundo, onde o setor agrícola emprega 75% da população. Com a redescoberta desta planta, a economia do país pode reanimar e parte da população pode vir a encontrar emprego nas plantações de café.