O Governo parece em queda livre, apesar da atual rara conjugação de fatores favoráveis: estabilidade política, referenciais para a governação até 2030 (europeus e nacionais), fundos comunitários avultados, relativa estabilidade orçamental, e quase oito anos aos comandos da administração pública. Ainda assim, e para nosso infortúnio, António Costa, que começou a governar o país em 2015 – e é dos políticos há mais tempo em funções governativas –, parece algo alheio e desvitalizado. Depois do sucesso alcançado a governar contra a troika e a pandemia, parece não saber o que fazer. Exímio na tática de curto prazo e na retórica, parece incapaz de governar para o futuro.
Até 2030, Portugal tem de ser capaz de crescer e, ao mesmo tempo, ganhar robustez social, ambiental e governativa. Curiosamente, é também esse o desafio atual das empresas para serem competitivas: conjugar uma boa performance económica, com um bom desempenho social, ambiental e de governance. Sem a devida valorização dessas quatro dimensões, nunca teremos um modelo de desenvolvimento competitivo e nunca cumpriremos o Pacto Ecológico Europeu, o Acordo de Paris sobre o clima e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas.
Ora, após oito anos de governação de António Costa, esperava-se mais ambição e melhores resultados nestas quatro dimensões.
Ao nível económico, temos vários clusters com bastante potencial para a transição para um paradigma de economia verde – do setor energético, ao agroalimentar, florestas, mar, moda, turismo, entre outros. Beneficiamos também – e cada vez mais – da simpatia da nova economia digital. Porém, parece não haver uma visão estratégica mobilizadora e há medidas que tardam em ser tomadas.
Também ao nível da coesão social, estes oito anos de governação sabem a pouco. Por exemplo, se a habitação já era uma prioridade em 2015 – e um tema que António Costa conhecia bem do seu tempo como Presidente da Câmara Municipal de Lisboa –, por que motivo só agora ganha centralidade governativa?
Quanto ao ambiente, as metas estabelecidas até 2030 são muitíssimo exigentes. Uma leitura diagonal do Relatório do Estado do Ambiente 2020/21 dá bem ideia da diversidade de temas e indicadores a considerar. Porém, também a este nível se perdeu fulgor governativo. Só o cumprimento da Lei de Bases do Clima – que tem várias medidas previstas ainda por tomar para se efetivar – exigiria um plano concreto e um processo de concertação social específico.
Por último, mas não menos importante, surge o tema do governance, isto é, da ética da gestão. A ética é o cimento das sociedades, pois sem ela não há confiança no contrato social, do qual as democracias dependem para funcionar. Ora, também a este nível há bastante a fazer. É incompreensível que, ao fim de quase oito anos, haja cada vez mais casos de corrupção ética, política ou económica ligados ao Governo.
Obviamente, a corrupção não é um exclusivo de Portugal. Parece ser, aliás, inerente à condição humana. Por isso é tão importante haver regras claras e instituições capazes de as monitorizar. O equilíbrio de poderes ou o sistema de checks and balances é uma dimensão-chave da sustentabilidade. Sem ética, o edifício pode simplesmente desabar.
Quando, ao fim de alguns meses, deixei o XXI Governo Constitucional, recebi ameaças absurdas. Desde a publicação de notícias falsas a meu respeito, até à de nunca mais conseguir emprego em Portugal, pois seria vítima de perseguição “até à morte” de duas entidades bem conhecidas (uma política, a outra civil). Na altura, mais do que as ameaças em si, chocou-me a desfaçatez com que eram proferidas. Em “Good and Bad Power”, Geoff Mulgan defende que uma das maiores fragilidades das democracias reside no facto das qualidades necessárias para se chegar a líder serem as contrárias para se ser um bom líder. Obviamente, há muito a fazer para que os partidos sejam escolas de cidadania, não agências de emprego e influência, e para que os seus métodos nunca se confundam com os da máfia napolitana.
Em suma, este era o momento em que Portugal precisava de um estadista à frente do Governo. Alguém com visão de longo prazo, carisma, coragem, capacidade de ação e ética inabalável. Guterres tinha muitas destas qualidade, Sócrates só algumas. Já António Costa, que qualidades terá, para além da capacidade de drible? Será capaz de governar para o longo prazo e de mobilizar as empresas e a sociedade civil? Se não for, é um país que desiste.