Eduardo Sá agarrou com as duas mãos o desafio de responder à questão “Que geração estamos a formar para o futuro?”. Mesmo sem bolas de cristal, décadas a observar os adolescentes e os jovens permitem-lhe, sem grande margem para erro, enunciar algumas linhas de força para poder perspetivá-lo. E para colocar, logo à cabeça, uma preocupação: “Receio que tenhamos uma geração que atravessou a infância e a adolescência pondo a carreira à frente da vida.”
“Rio-me com embaraço, mas a verdade é que os nossos filhos trabalham na escola de manhã à noite”, lembrou o psicólogo clínico e psicanalista, na sua conferência. “Debate-se a semana de trabalho de quatro dias, então vamos discutir a limitação do horário na escola, porque eles estão das oito às oito, cinco dias por semana, e, chegam ao fim de semana, ainda estudam e têm explicações.”
Desde sempre grande defensor do brincar como património imaterial, Eduardo Sá vê cada vez com mais apreensão a crescente falta de tempo livre das crianças. “A geração dos nossos filhos é a geração que todos os anos perde tempo de brincar, um património em vias de extinção de tal forma a escola rouba tempo livre indispensável ao seu crescimento”, alerta.
“A escola manda na vida das crianças, e, como se não bastasse tanto tempo letivo, é habitual terem intervalos de cinco minutos, dez no máximo. Uns minutos para irem à casa de banho, uns minutos para comerem um pão, isso dá uns três minutos para brincar, o que é faraónico, como não se satisfazem?! E nós, como se não tivéssemos nada a ver com isso, dizemos que parece haver uma epidemia atípica de défice de atenção e de hiperatividade.”
Por outro lado, lembrou o psicólogo, nos últimos tempos houve vários acontecimentos importante para os adolescentes e os jovens: a pandemia, a guerra e as crises energética, climática e financeira. “Um mundo que lhes traz perplexidades, mas a escola só está presa às metas curriculares.”
O presente preocupa-o por várias razões como se viu, e sem descartar responsabilidades. “A geração dos nossos filhos é muito egocêntrica muito por culpa nossa. Não sei quem pôs a circular que dizer ‘não’ traumatiza as crianças. Elas precisam de ser educadas para o ‘não’, com equilíbrio e coerência; quanto mais tiverem ‘não’, mais o toleram.”
“Além de que estamos a criar uma geração de grandes consumos”, adverte “Desde muito pequeninos, começam a consumir psico-fármacos de uma maneira estrondosa. O que vai ser da vida deles quando morrer alguém importante? O que vão precisar de tomar para sobreviverem?”
Quanto ao futuro, Eduardo Sá compreende que os adolescentes e os jovens estejam temerosos. “Estou sempre a ouvir dizer que o futuro dos nossos filhos vai ser uma porcaria. Dizemos-lhes: prescinde da vida porque o futuro é melhor, mas nas entrelinhas veem que será uma porcaria… Por isso percebo que queiram viver o momento. Sabem que o depois de amanhã não é um lugar soalheiro, têm por isso muito medo de lá chegar.”
Não significa, porém, que estejamos perante uma crise de valores, sublinha o psicólogo. “Eles querem o mesmo que os pais”, diz, “mas, quando lhes pergunto: ‘Qual é o teu sonho para amanhã?’, muitos respondem-me: ‘É preciso ter sonhos? E isto é porque nós, educadores, pomos tudo à frente da vida menos… vida. Dizemos aos nossos filhos que a agenda deles é para trabalhar. E o trabalho deles é o estudo.”
Ainda estamos, porém, a tempo de salvar o futuro próximo, frisa Eduardo Sá. “Eles têm qualidades imensas, só precisam de três coisas: de pais que, independentemente de o mundo parecer estar a desmoronar-se, sejam forças tranquilas; de um sentido da vida; e de escolas que tragam a vida para eles.”
A escola, sempre a escola – afinal, é lá que passam a maior parte dos seus dias. Por isso o psicólogo insiste: “A escola não pode ser aquele registo. Ela existe para educar para pensar e com espaço para errar (e os erros fazem crescer mais do que todos os sucessos).”
Para os nossos filhos, o melhor do mundo vai ser o futuro, acredita o psiólogo. “Mas nós temos de ser capazes de emendar a mão para darmos a mão aos nossos filhos.”