É uma ideia comum em momentos de aflição: a crise provocada pela Covid-19 é dramática, mas pode também representar uma oportunidade para executar reformas profundas na forma como nos organizamos enquanto sociedade. Pelo menos, é assim que pensam António Costa Silva, autor da “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, e José Sá Fernandes, vereador para o ambiente da Câmara Municipal de Lisboa. Os dois estiveram esta tarde no VISÃO FEST verde para discutir como se combatem as alterações climáticas em tempos de pandemia.
“Falamos muito da crise sanitária e bem, que já se transformou numa crise económica e social, mas estamos sentados sobre uma crise climática profunda no nosso planeta”, sublinha Costa Silva. “Estamos a caminho para uma transição energética, vamos passar dos petro-estados para os eletro-estados, e o maior eletro-estado do mundo, o que mais investe na transição energética é a China”, enquadra Costa Silva.
“Devemos ser otimistas, acredito na solidariedade humana e na entreajuda. Só há duas coisas que crescem quando se reparte. Uma é o amor e outra é o conhecimento. E o que fez com o seu documento foi dar conhecimento às pessoas. Eu próprio aprendi com ele e por isso agradeço-lhe por isso. Mas só conseguimos discutir o futuro se olharmos bem para a realidade que está à nossa volta. A realidade é superior à ideia, porque em muitas matérias temos de agir já. No seu documento põe no fim o ordenamento do território, mas acho que devíamos começar por aí, para ter coesão social e colocar bem todas as peças.”
Apesar de muitas das intervenções nestes dias [no VISÃO FEST] terem sido muito pessimistas no sentido de dizer que o mundo está mal, essas pessoas têm muita informação e muitas ideias”, afirmou Sá Fernandes. “O problema climático e a pandemia podem juntar-se de forma interessante, se formos otimistas: quer numa matéria, quer noutra, só se agirmos juntos é que conseguiremos ultrapassá-las. Esta é uma lição da pandemia que nos pode ajudar nas alterações climáticas. A ideia de cooperação. Não podemos perder isso.”
Costa Silva concorda com uma visão otimista e vê avanços muito importantes no desenvolvimento científico em Portugal nos últimos anos, em especial no interior do país. O consultor do Governo destaca a criação de produtos de alto valor acrescentado – 35 novos entre 2002 e 2017, o 12º mais alto do mundo – e os investimentos feitos por pequenas empresas. Onde estamos então a falhar para o país ter tantas dificuldades em crescer, como mostram os números de crescimento anémicos no arranque deste século e que Costa Silva apelida uma “vergonha nacional”?
“Estamos fartos de um modelo de salários baixos, na precarização do trabalho. Precisamos de um baseado na inovação tecnológica”, sublinha Costa Silva. “O país tem competências funcionais, mas falha nas competências institucionais, na sabedoria das políticas públicas.”
Uma crítica recorrente é que Portugal não se sabe vender. “Temos de apostar mais no marketing e na internacionalização. Somos o país que inventou a via verde, mas não temos a patente”, acrescenta o gestor. Se é verdade que em períodos excecionais conseguimos superar-nos, como se viu na pandemia com o desenvolvimento de equipamentos e ventiladores, “na normalidade, somos banais”.
Reformar as cidades
É pelas cidades que passa um dos desafios ambientais mais importantes. A reorganizar e repensar as nossas cidades, seja nos espaços verdes, seja na forma como nos movimentamos dentro delas, seja no número de pessoas que nelas vivem. E nessa matéria, a Lisboa Capital Verde Europeia é um exemplo a seguir, pela evolução objetiva dos vários parâmetros que teve nas últimas décadas.
Ambos concordam que a redução da pressão demográfica nos centros urbanos pode ser benéfica se esta evolução se fizer com o desenvolvimento do interior. “Quando me dizem que o futuro é a maior parte das pessoas viver nas cidades e que 80% vai viver nelas… Eu não quero isso. Quero outra distribuição das pessoas pelo país. Não quero que Lisboa seja uma Banguecoque”, explica.
Costa Silva tem insistido na necessidade de reformas o transporte urbano. “Acredito que, com esta crise, a pandemia e o choque energético que estamos a sofrer, vamos ter um maior domínio das energias renováveis, incluindo o hidrogénio, uma transformação completa do nosso sistema de mobilidade”, referiu, ao mesmo tempo que vê nas cidades o potencial para descobrir respostas para os nossos problemas. É nas cidades que convivem pessoas diferentes, que se confrontam ideias e se encontram soluções. “Destas ruas podem sair as ideias que irão reformatar a vida do século XXI.”
Sobre o potencial do hidrogénio em específico, que tanto debate tem gerado na sociedade portuguesa, o autor do plano estratégico para a próxima década disse que, por vezes, essa discussão parece “de mercearia”. “Não há nenhum mistério no hidrogénio. Ele é aplicado todos os dias em Portugal. Agora há novas tecnologias”, explicou. “Produzir hidrogénio com base em fontes renováveis é ainda relativamente caro, mas o país tem de apostar nisso. Tem uma versatilidade impressionante e tem capacidades brutais na mobilidade, das cidades ao transporte de longa duração.”
Quando lhes é perguntado qual seria a melhor notícia ambiental que poderiam ouvir em 2021, Costa Silva não tem dúvidas: “não voltar à mesma matriz energética”. Isto é, “aproveitar para eletrificar a economia e diminuir a utilização de combustíveis fósseis, principalmente o carvão”.
Sá Fernandes concorda que o armazenamento da energia será uma questão decisiva e refere os três eixos a que devemos estar atentos nos próximos anos: alimentação, saúde pública e poluição atmosférica. No final, deixa uma pergunta a Costa Silva: “sou vereador para o ambiente da câmara de Lisboa, não acha que eu devo defender com unhas e dentes a saída do aeroporto de Lisboa daqui?”
A resposta: “Sim, já devia ter saído há muito tempo.”
No final do debate, Sá Fernandes ofereceu a Costa Silva o símbolo do Lisboa Capital Verde, normalmente oferecido a “quem está comprometido com o futuro e estes desígnios ambientais”.
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