Há figuras que nos convocam para um dos debates dos dias de hoje: pode-se separar o criador da sua obra, ou fica a arte (ou a escrita) irremediavelmente manchada pelo comportamento de quem a produziu? E pode um ser odioso deixar ao mundo um legado de beleza?
A discussão é intensa, um pouco por todo o mundo. E há quem defenda com fervor que estas perguntas devem ter resposta negativa. A cultura do cancelamento cresceu na última década e impregnou a academia, as redes sociais e uma certa bolha político-mediática com esta visão higienizante sobre o que foi produzido no passado.
Pablo Picasso é um dos alvos favoritos deste movimento. Agora que se celebra o cinquentenário da sua morte, o tema salta para a ribalta. No ano passado, uma professora de arte e os seus alunos protestaram no Museu Picasso, em Barcelona, com t-shirts impressas com a mensagem “Picasso, abusador de mulheres” e o nome das várias que fizeram parte da sua vida.

Em causa estão as relações conturbadas e opressivas, carregadas de violência física, moral e verbal, que mantinha com as mulheres e amantes, fruto do seu documentado narcisismo, machismo e de uma “sexualidade animal”, que levaram, mesmo, duas delas a cometer suicídio. Factos testemunhados por muitos amigos e conhecidos, mas também denunciados publicamente pela sua própria neta, Marina Picasso. “Ele submetia-as à sua sexualidade animal, domava-as, enfeitiçava-as, ingeria-as e esmagava-as nas suas telas. Depois de passar noites a extrair a essência delas, depois de as ressacar, livrava-se delas”, disse ela. Fica mais fácil de perceber, assim, uma das citações negras de Picasso, que dizia que há apenas dois tipos de mulheres: “deusas e tapetes”.
Que fazer, pois, com um artista, um dos grandes marcos do século XX e pai da arte moderna, que tem tanto de condenável como de admirável? A minha resposta é apenas: conhecer, enquadrar e contextualizar.
Tal como recuso tirar livros de bibliotecas nem expurgá-los de conteúdos considerados, aos dias de hoje, impróprios, como aconteceu com autores como Roald Dahl ou Herman Melville, ou com livros de Tintin ou Astérix, não faz qualquer sentido cancelar artistas ou músicos pela sua personalidade ou vida íntima ou até mesmo pública. Em nome da correção do politicamente correto, que muda ao sabor dos tempos, não se pode tornar assética a arte nem destruir ou esconder obras à luz dos valores e ditames contemporâneos. Este é o caminho para a desgraça do pensamento crítico.
É, pois, com este pano de fundo que o convidamos a conhecer, na nova edição da VISÃO BIOGRAFIA, a vida e obra de Pablo Picasso. Com todo o seu brilhantismo, mas também com um lado negro que cumpre dar a conhecer – sem condescendência nem paninhos quentes.
COMPRE AQUI A VISÃO BIOGRAFIA