Claudine Alves não acreditava no que ouvia. No final de 2011, foi chamada para uma reunião com a sua gestora no Banco Espírito Santo, agência de Pataias, na Marinha Grande. Afinal, ter-lhe-á dito Sónia Matos, o investimento que fizera em obrigações do BES não era seguro, como antes lhe tinha sido apresentado. De facto, as obrigações subordinadas perpétuas são tudo menos seguras ou fáceis de compreender. Tanto que empresas financeiras sérias se recusam a vendê-las a particulares.
Mas Claudine foi apanhada e corre agora o risco de perder o dinheiro para a filha ir para a faculdade, 20 mil euros.
Antes, em 2010, tratava-se apenas de emprestar dinheiro ao banco. O BES estava com dificuldade em angariar capital no estrangeiro, razão pela qual o fazia junto de clientes e oferecendo taxas de juro de 8,5% ao ano. Apesar do nome repara-se, «Obrigações» e «Perpétuas» , «isso só está aí por os juros serem tão altos». E, no final de contas, uma obrigação é uma obrigação, valor mais seguro não há, disseram-lhe. O banco vai recomprá-las todas, daqui a cinco anos, garantiram-lhe. É um ótimo investimento, asseguraram-lhe.
Mas, depois, já não era bem assim.
A culpa era da troika, que então entrava em Portugal e obrigava o banco a não pagar os juros. Só havia uma hipótese, diziam-lhe, se Claudine não quisesse perder tudo: trocar essas obrigações por ações. O negócio era apresentado como obrigatório. E não se podia rescindir, como então queria esta mulher de 43 anos. Nem sequer devolvendo os juros. «Eu já tinha perdido cinco mil euros em investimentos em ações e foi a primeira coisa que disse à Sónia quando a conheci: produtos de risco, nunca mais.
E agora faziam-me isto. Saí de lá a chorar », diz esta comercial da indústria de moldes.
As palavras, na banca, podem não ser o que parecem e não se pode assinar nada que não se perceba. Por exemplo, o termo «obrigação», aqui, descreve um produto que mais parece uma ação com cotação variável, «liquidez imediata» e pendor especulativo.
A perpetuidade significa que o banco poderá ficar a dever-lhe o capital investido para todo o sempre se assim o entender. Nem sequer os juros são garantidos em caso de desequilíbrios financeiros ou se decidisse não pagar dividendos, o BES podia eximir-se ao pagamento.
Mesmo que Claudine fosse definida como uma investidora moderada o que por sua vez significava estar disposta a assumir um «risco alto» nos seus investimentos, e mesmo que tivesse rogado a Sónia que não lhe arriscasse o dinheiro, sagrado, para os estudos da filha, comprou-as e assinou de cruz. «Há muitos senhores de idade a investir nisto», costumava ser um dos últimos argumentos do banco. «Querem deixar um rendimento para sempre aos filhos…» Claudine não cedeu à pressão para transformar as obrigações em ações que passou por três reuniões, sempre com a hierarquia dos quadros do BES presentes a subir de grau. Sónia Matos remeteu a sua versão dos factos «para a assessoria de imprensa da instituição de que faço parte» e a cujas ordens obedece. Que não respondeu por ela em tempo útil.
Obrigações: as subterrâneas e as perpétuas
Por aquela altura de 2010, Nuno Vinagre também estava a ter problemas. Este administrativo de uma empresa de contabilidade da Marinha Grande investiu duplamente em produtos duvidosos: as já nossas conhecidas obrigações perpétuas e um outro «híbrido», apresentado como «Poupança Plus», uma aplicação «vendida» como uma alternativa às contas a prazo. A Poupança Plus dava uma taxa de juro de 5,5% e, na altura da compra da aplicação, o cliente era obrigado a assinar uma ordem de venda com data e valores predeterminados. «Pedi a simulação, mas foi-me dito que os funcionários estavam proibidos de a dar. Achei estranhíssimo.
Não me podem dar a simulação? Porquê? Cheirava a esturro. Mas já tinha conta no BES há mais de 20 anos, acabamos por confiar nas pessoas…» Foi só quando fez o IRS desse ano que descobriu que tinha investimentos no estrangeiro, nas Ilhas Caimão: «O BES fez-me um investimento num paraíso fiscal e nunca me disse nada. Isto fica muito mal com as Finanças. E ninguém me pediu autorização? Nuno apressa-se a desfazer-se das Plus.
São obrigações deste tipo no jargão económico as «séries comerciais» que começaram a ser renegociadas pelo Novo Banco esta semana. As chamadas «operações de recompra» a que os jornais económicos se referiram na segunda-feira, 29, resgatavam produtos financeiros absolutamente ilegais talvez por isso, vão ser pagas.
As perpétuas foram outra coisa. O BES pressionou os clientes a trocá-las. Oferecia como ótimo o seguinte negócio: livre-se das obrigações e aceite ações, que o próprio BES valorava a €1,8 quando estavam já cotadas a €1,2 e com tendência para descer. «De uma assentada, comiam logo 30 por cento do valor.
Recusei», conta Nuno. Mas as irregularidades continuaram: sem que lhe fosse dada qualquer satisfação, o ISIN, uma espécie de bilhete de identidade das suas perpétuas, foi trocado (de PT-BENDOM0029 para PT-BENBOM0021). Ainda hoje ninguém lhe sabe explicar porquê. Nem se a sigla BENBOM é uma ironia… Em dezembro de 2011, a crise das obrigações perpétuas estava escarrapachada num dos blogues financeiros acompanhado pelos pequenos aforradores o financaspessoais.
É aqui que se torna difícil aceitar a tese de que o Banco de Portugal (BP) e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (a CMVM, a «polícia da bolsa») não sabiam que algo de muito errado se estava a passar no BES. «Ninguém prende estes burlões?», perguntava um dos leitores. «Quem quer agir judicialmente contra a CMVM, o BdP e o BES?», atirava outro. «É crime, é burla », dizia mais um. As obrigações Poupança Plus também eram referidas várias vezes como um produto que «cheira mal». «Dona Branca», escreve já Nuno Vinagre nesse blogue. São dezenas de queixas. Estas obrigações perpétuas revelaram-se mesmo um péssimo investimento: deixadas no «banco mau», o BES, poderão não ser pagas. Mas o episódio mostra que o BdP e a CMVM sabiam.
Sabiam tanto das perpétuas como das obrigações «investidas» nas Caimão.
E tinham que saber: Nuno Vinagre enviou queixas por carta para todos, até para Ricardo Salgado, presidente do BES. Não foi o único. Bem vistas as coisas, práticas destas já indiciavam um desespero por dinheiro e casos houve, inclusivamente, que foram enviados pelas entidades de supervisão para o Ministério Público. A Poupança Plus foi proibida pela CMVM. Mas se as autoridades financeiras viram as árvores, falharam a floresta.