Francis Spellman, o cardeal de Nova Iorque, era assaz influente na vida americana. Célebre ficou um discurso seu, em 1948, no qual previa para breve a chegada dos comunistas ao poder, em Washington. Essa prédica antecedeu a «caça às bruxas» de Joseph McCarthy, uma razia inquisito rial que eliminou «toupeiras» do KGB e provocou também a mo rte de inocentes, num país aterrorizado pela «ameaça soviética». Spellm antornou-se íntimo dos Kennedy, um dos mais endinheirados clãs católicos. Masem 1960, durante a campanha eleitoral, irritou John Kennedy e a sua família ao surgir com o rival Richard Nixon, numa photo opportunityque deu brado.
Kennedy intuiu facilmente a dúvida de Spellmane de outros líderes da minoria católica, quando almoçou com eles, antes da eleição. Sentiu frio à volta e desabafou para o historiador Arthur Schlesinger: «Isto mostra que, quando parecemos estar na mó de baixo, o dinheiro para esta gente conta mais do que a religião.» Requer pesquisa a extensão em que as an vulnerabilidades idiossincráticas de Spellm afectaram as suas opções na política. Edgar Hoover, patrão tentacular do FBI, e um vicioso que Oliver Stone reduziu ao nível do esterco nos seus filmes delirantes, guardava um dirty file sobre a homossexualidade activa do cardeal. Só que os ziguezagues pré-eleitorais do representante de João XXIII reflectiam apenas o pânico de muitos católicos: como entregar a América a um Harvard kid, de 43 anos, mulherengo e imaturo?
Salazar conhecia o cardeal, que os políticos cortejavam porque milhões de votos dependiam dele, e a cujos serviços o big business apelava, por razões alheias ao missionarismo.
Em Fevereiro de 1963, Spellman veio mais uma vez a Lisboa, à frente de mil peregrinos americanos em rota para Fátima. Foi recebido por Salazar, como era habitual, e teve com ele uma longa conversa. As relações entre Portugal e os Estados Unidos pautavam-se, então, por uma conflitualidade dramática em torno
da guerra de Africa. Salazar recusou-se a renovar o Acordo dos Açores, que expirou em 31 de Dezembro de 1962. Osamericanos ficavam nasLajes, numa base ad hoc, ou seja, podiam ser despejados através de um mero pré-aviso de seis meses. Esta arma política conteve o ímpeto dos liberais de Washington e lançou grande inquietação no Pentágono.
Neste contexto de desarmonia, Salazar esperava que Spellman fosse sensível aos magnos dissídios bilaterais e pudesse interceder junto de Kennedy, financiador de Holden Roberto e de Eduardo Modlane, masum católico, suposta ovelha do seu rebanho. Em vez disso, porém, o cardeal «provocou» o estupefacto do interlocutor: «Desculpe trazereste assunto à baila, mas porque é que continua a proibir a
entrada da Coca-Cola em Portugal?» Salazar estava farto de intercedentes em nome da Coca-Cola, e ficou furioso com a incursão de Spellmannas vulgaridades terrenas. A mensagem fora-lhe encomendada por outro «peso-pesado» do movimento católico internacional, James Farley, de origem irlandesa, presidente dos Correios (Post Master General) na Administração Roosevelt, e agora um dos chefes da Coca-Cola.
LENDA DA COCAÍNA
Há muitos anos que o chefe do governo português se opunha à instalação de uma filial da Coca-Cola em Portugal e ao consumo da bebida adocicada e castanha a que atribuía características obnóxias. O médico higienista Ricardo Jorge, seu amigo, tê-lo-á convencido de que o refrigerante «continha cocaína» e
produzia, por isso, efeitos alucinatórios. Era uma fantasia alimentada pelo facto de a fórmula da Coke permanecer em segredo desde que foi criada, em 1867, no pátio de uma loja de Atlanta, pelo farmacêutico John Styth Pemberton.
A par dos diagnósticos empíricos de Ricardo Jorge e de outros, havia urnacausa mais importante e cientificamente testável para o bloqueio à Coca-Cola: a oposição de cartéis empresariais, sobretudo a Cen tral de Cervejas, de Manuel Vinhas, que receava a concorrência de um líquido alternativo. Os produtores viní
colas eram outros acérrimos inimigos da Coca-Cola. Beber vinho, segundo rezava a propaganda oficial, era «dar de comer a um milhão de portugueses». Alexandre Vaz Pinto, que na década de 70 teve n asmãos o dossier Coca-Cola, como membro da equipa económica de Marcelo Caetano, sintetiza: «O lobby
dovinho era muito forte e fazia muitas pressões.» Mas a resistência de Salazar alicerçava-se,sobretudo, na sua atitude fundamental — uma mescla de naciona lismo fanático e de cultoda penúria orgulhosa – que con traria as profusas lendas da «historiografia» marxista sobre a permeabilidade ao domínio económico estrangeiro.
ODIAR A AMÉRICA
Salazar teve de acomodar-se depois da II Guerra Mundial à ascensão dos Estados Unidos como a nova superpotência marítima no Atlântico e no Pacífico. Fez na Base das Lajes uma espécie de cinto de segur ança do regime autoritário, no contexto do Ocidente democrático, e aceitou em 1949 a inclusão na NATO, apesar de discordar dos seus princí pios políticos. A Inglaterra declinara e só os Estados Unidos poderiam dar protecção ao império português. Era a defesa do império um dogma nacional que agregava a oposição e
de que o general Norton de Matos, na sua ideologia ultracolonialista, nos seus apelos vibrantes aos jovens para que defendessem Luanda como se Lisboa estivesse a ser atacada, foi o mais sonoro porta-voz.
Apesar dascedências de realpolitik, o antiamericanismo de Salazar manteve-se visceral. Em 1943, George Kennan, jovem e voluntarista diplomata, fez notar que Salazar tinha quase tanto medo de se aliar à América como de se aliar à Rússia. Em 1954, o secretário de Estado John Foster Dulles lembrou a Eisenhower a necessidade de vencer a insubmissão de Salazar, o homem que, enqu anto chefe do governo, nunca saía da Península Ibérica. Salazar atribuía à América o papel demoníaco de perturbador transcontinental. Odiava a sua sociedade pletórica e a «imoralidade» dimanada dos esteriótipos de Hollywood e da Wall Street. Via na espectacularidade mediática da sua democracia riscos de contágio para esse Portugal «albanês», que moldou aos rigores do seu ascetismo.
A barreira estratégica que ergueu à penetração americana fundava-se no temor do poder disruptivo da dinâmica de mercado sobre a economia planificada. Comtenacidade, resguardou a nação e o seu império do Plano Marshall, instrumento de apoio à reconstrução da Europa em escombros, de Roma a Berlim.
Entre 1945 e 1961, o auxilio dos Estados Unidos a Portugal ficou-se por cerca de um décimo do auxílio concedido à Espanha franquista. Lisboa recebeu, durante esse período, ao abrigo do Plano Marshall, apenas51,3 milhões de dólares, o que foi, no conjunto do auxílio americano, segundo António Manuel Pinto Barbosa, antigo ministro dasFinanças, «uma percentagem irrelevante». Os próprios responsáveis pela execução do Plano Marshall frisaram, em 1955, no seu relatório anual, o desinteresse de Portugal pela ajuda económica.
«É UMA VERGONHA TEREM DE VIR OS AMERICANOS…»
Quem durante anos defendeu juridicamente a pretensão da Coca-Cola de fixar-se em Portugal foi o luso-galês Armando Gonçalves Pereira, advogado de craveira internacional, um homem saliente na elite social alfacinha, pai de André Gonçalves Pereira, ministro dos Negócios Estrangeiros no governo de Pinto Balsemão. O pai Gonçalves Pereira recorreu em inúmeras oc asiões ao melhor dos seus charmes e à mais pedagógica da sua loquacidade para ultrapassar a fobia de Salazar e convencê-lo da utilidade da fixação daCoca-Cola e das vantagens relativas que empresas americanas como a Socony-Vacuum e a Union Carbide tinham sobre as suascongéneres europeias.
Frustradas foram asrepetidas diligências de Gonçalves Pereira e de outros amigos dos Estados Unidos. Salazar não se deixou embalar e achava sumariamente o big business americanó, como relatavam para o Departamento de Estado, os desapontados adidos da Duque de Loulé, «desumano, arrogante e insensível ao
bem-estar dos habitantes das áreas onde consegue instalar-se». Em 1 de Junho de 1955, durante uma audiência em São Bento, Gonçalves Pereira detectou brech asno sólido preconceito de Salazar. No dia seguinte, com a euforia própria de quem parecia ter g anho uma prova de maratona, confidenciou a John Q.
Blodgett, segundo-secretário da embaixada, que Salazar lhe mostrara uma surpreendente abertura aos investimentos americanos.
As fontes que levaram o advogado a infe rir a alteração de estado de espírito eram, além do próprio Salazar, o subsecretário de Estado do Ultramar, Raul Ventura, e Tovar de Lemos, um técnico proeminente no Ministério da Economia. Mas Joseph Jova, o primeiro-secretário da embaixada, em telegrama para Washington, logo deitou gelo naquela fervura: acreditar na mudança do pensamento de Salazar, concluía ele, seria «um erro político». Tinha Jova muita razão.
Quando a cadeia Hilton apresentou um projecto de construção de um hotel de luxo na Rua Castilho, Salazar ficou possesso. Chamou, então, Ricardo Espírito Santo, banqueiro muito dãs suasrelações, e um dos lideres da iniciativa p rivada mais receptivos ao estigma antiamericano, passou-lhe um «raspanete» e desafiou-o: «E uma vergonha terem que vir os americanos construir um hotel! Será que os nossos empresários não têm capacidade para isso?» Foi esta vibração contra os ianques que fez aparecer em Lisboa o luxuoso Hotel Ritz.
Na mesma linha, Salazar chumbou vários projectos de investimento americano em Angola e em Moçambique, apresentados no quadro do Plano Marshall. Fê-lo devido àquilo que, em Fevereiro de 1961, o ministro da Defesa, general Júlio Botelho Moniz, em conversa com o embaixador Burke Elbrick, descreveu como «a sua suspeita dos Estados Unidos». O dissidente Botelho Moniz tinha disso uma prova concreta, quando defendeu, em Conselho de Ministros, o plano de uma empresa americana para construir uma central de refrigeração de carnes em Angola. Salazar contrapôs, na altura: «Já me foi submetido um projecto idêntico de uma empresa suíça, que me parece melhor.» Descobriu depois o general que o projecto suíço, pura e simplesmente, não existia.
Ao longo dos mil dias da Administração Kennedy, pautados por uma insuperável incompatibilidade, por diversas vezes o presidente agitou a cenoura dasdoações e ajudas financeiras para levar Salazar a aceitar o princípio da autodeterminação na Africa lusofona. Debalde. Em 1963, cortante e lapidar, Salazar disse a Alberto Franco Nogueira, o seu antiamericano e pró-britânicoministro dos Negócios Estrangeiros: «Quero este país pobre mas independente; e não o quero colonizado pelo capital americano!» Esta obsessiva
vertente antiamericana foi essencial no modelo económico salazarista. As concessões petrolíferas atribuídas à Gulf Oil em Angola e em Moçambique, no final da década de cinquenta, não passaram de excepções à regra antiamericana.
São hoje indiscutíveis a argúcia rústica com que Salazar geriu as dependências externas e a firmeza com que não alienou a autonomia possível em relação às multinacionais..Não deixam por isso de parecer extravagantes alguns extractos da tese de Alvaro Cunhal, aprovada em Abril de 1964 pelo comité central do PCP. Nesse texto, o inamovível apparatchik dependente de Moscovo opunha-se à integração na Europa (a Ocidental, claro) e às conspurcantes forças do impe rialismo (sobretudo o americano): «[…] E até o vinho do Porto, produto português por excelência, está em parte decisiva na suas mãos […].» «Venham, venham (dizem os fascistas), venham roubar, explorar, rapinar, tomar conta do resto. Isto é o paraíso para vós […] A isto chegou a desvergonha dos salazaristassem-pátria […]» (in Rumo à Vitória). Fantástica essa versão do preclaro doutrinador que um dia chamou à União Soviética «o sol da Terra». É que, se Salazar se distinguiu historicamente por alguma coisa foi pela isolacionista noção de pátria que excluiu qualquer obediência automática a outras nações.
«GENERAL COCA-COLA»
Mas quer Salazar quer Cunhal, duas faces dessa mesma moeda que era o arcaísmo português, estavam certos quanto ao entrosamento en tre o big business de companhiascomo a Coke e o expansionismo político da América. A extraordinária projecção da Coca-Cola iniciara-se durante a II Guerra Mundial,
quando o general Eisenhower ordenou o envio de três milhões de garrafas para as forças aliadas no Norte de África. Foram depois construídas dez fábricas de engarrafamento fora da América e, de seis em seis meses, as tropas eram abastecidas com três milhões de garrafas. Quando os soldados russos entraram em Berlim, mais de cinco mil milhões de unidades de Coca-Cola tinham sido consumidase havia 64 unidades de engarrafamento nos teatros de combate da Europa e do Pacífico.
Eisenhower continuou fiel à Coca-Cola e quando se tornou presidente, em 1953, premiou a companhia com um contrato para o fornecimento de refrescos em todos os banquetes oficiais da Casa Branca. A Coca-Cola tornou-se um dos símbolos universais do american way of life e, em Maio de 1955, a revista TIME denominava-a, na capa, como «a amiga do Mundo». Kennedy gostava de refrigerante e deixou-se fotografar junto de uma garrafa, o que popularizou mais a Coca -Cola.
A invenção de Pembe rton era, para comunistas e salazaristas, unidos neste particular, um ínvio signo iconográfico da sociedade americana. O general Humberto Delgado, que serviu em Washington como adido militar, não escapou ao labéu. Como Mário Soares registou, em 1958, já depois de Delgado ter tido uma entusiástica recepção popular no Porto, e quando lançava o maior desafio endógeno à autoridade de Salazar, «estava ainda em distribuição, clandestinamente, o número do jornal comunista Avante! que o tratava por general Coca-Cola' e
fascista!’» (in Portugal Amordaçado, pág. 205). Soares, colaborador de
Delgado, podia ter intuído já aí aquilo que podia esperar do seu antigo partido.
A companhia da Coca-Cola, presidida por RobertWoodruff durante três décadas, entre 1923 e 1955, expandiu-se aceleradamente e dilatou a sua participação camuflada em altas estratégias políticas. Em 1962, por exemplo, a Coca-Cola ExportCorporation foi um dos patrocinadores secretos do Institute for Free Labor Development, num rol que juntava o Chase Manhattan Bank, a Pan American World Airways e a IBM World Trade Corporation. O Institute for Free Labor Development foi cria através de uma iniciativa da CIA, aprovada por Kennedy. A sugestão partiu de homens como Cord Meyer, um dos cérebros da estratégia anticomunista que incluía a defesa da economia de mercado.
«PAISAGEM MORAL»
Infrutíferas tentativas de sensibilização de Salazar para a causa da Coca-Cola foram também feitas por Alexander Makinsky, um príncipe russo, famoso pela sua inteligência e pela auréola de poderes obscuros e de ligações à CIA. Makinsky veio diversas vezes a Portugal como representante da Fundação Rockefeller, canalizou uma parte do seu trabalho para a ajuda a refugiados judeus e tornou-se, no pós-guerra, chefe da Coca-Cola na Europa. Tivera acesso pessoal a Salazar, através de Arminda Lacerda Cértima, uma das afilhadas do presidente do Conselho, e usou o canal directo para uma falhada insistência.
Salazar justificou-se a Makinsky nestes termos: «Sei perfeitamente que o senhor não tem nada a ver com vinhos, nem com sumos de frutas, e é bem por outra razão que — apesar das excelentes relações que m antemos, o senhor e eu, e que datam da época em que representava a Fundação Rockefeller e não sonhava sequer em fazer parte da Coca-Cola — sempre me opus à sua aparição no mercado português. Trata-se daquilo a que eu poderia chamar ‘a nossa paisagem moral’.
«Portugal, tal como o concebo e tal como quereria mantê-lo, é um país conservador, paternalista e — Deus seja louvado ‘atrasado’, termo que eu considero mais lisonjeiro do que pejorativo. O senhor arrisca-se a introduzir em Portugalaquilo que eu detesto acima de tudo, ou seja, o modernismo e a famosa efficiency. Estremeço perante a ideia de veros vossos camiões apercorrer, a toda a velocidade, as ruas das nossas velhas cidades, acelerando, à medida que passassem, o ritmo dos nossos hábitos seculares. É que nós temos um ritmo próprio, talvez lento, sobre o qual a revolução industrial não exerceu ainda a sua influência nefasta.» O louvor a Deus e a preservação da moral lusitana pareceram a Makinsky argumentos poderosos.
Tempos depois, já familiarizado com áreas do jet set português, onde era bem aceite, embora suscitasse desconfianças, Makinsky recebeu uma espécie de compensação honorifica: Salazar ordenou que lhe atribuíssem a Medalha do Mérito Industrial. Estranhando a distinção, tanto mais bizarra quanto a sua cruzada pela Coca-Cola fracassara, amigos lisboetas perguntavam a Makinsky o que é que ele tinha feito para a merecer. O russo-ame ricano respondia, invariavelmente, apontando para a condecoração: «This was for keeping Coca-Cola out of Portugal» (Isto foi por ter mantido a Coca-Cola fora de Portugal).
CAETANO RECEPTIVO
A proibição da Coca-Cola foi, entretanto contrariada pela sua entrada em Angola e Moçambique, através da filial da companhia na Africa do Sul. A legislação que se aplicava aos territórios continentais e às ilhas não era forçosamente a que se aplicava à Africa portuguesa, onde aCoca-Cola se estabeleceu cora sucesso, ligada ao «império» da Cuca.
Uma nova tentativa de trazer a Coca-Cola para Portugal foi levada a cabo em 1972-1973. CJm grupo de empresários ligados à exportação de vinhos, animado pelos irmãos António e Jorge Avillez, propuseram ao governo de Marcelo Caetano a remoção das contrariedades legais. Essa coligação de interesses favorável à Coca-Cola era liderada pela J. M. da Fonseca Internacional, associada da empresa americana Hueblein, de Connecticut, e incluía o BancoBorges & Irmão, a Sogrape e a CamiloAlves. As negociações decorreram em ligação à filial da Coca-Cola em Madrid. Entre as contrapartidas previstas, contavam-se o apoio governamental à exportação de vinhos e o uso dos proventos da Coca-Cola em publicidade subsidiada, bem como a compra de pasta de tomate e de sacos de café (o que interessava a Angola).
Marcelo Caetano, segundo diz hoje Alexandre Vaz Pinto, removeu as restrições filosóficas exponenciadas por Salazar e estava disposto a permitira instalação da Coca-Cola. O seu ministro da Economia, Manuel
Cotta Dias, a quem António Avillez apresentou pessoalmente o esquema, também não se opunha. O dossier foi canalizado para Alexandre Vaz Pinto, secretário de Estado, que o fez descer para o Fundo de Fomento de Exportação, presidido então por António Amaro de Matos. Mas o processo ficou inconclusivo e, de cada
vez que o assunto vinha à baila nos circuitos de decisão, havia «grandes pressões das cooperativas agrícolas contra a venda da Coca-Cola». Os esforços do grupo de António Avillez foram interrompidos pelo 25 de Abril.
«AGUA SUJADO IMPERIALISMO»
Ao antiamericanismo clássico da direita caída juntou-se, em 1974-1975, o antiamericanismo dos comunistas triunfantes. A Coca-Cola, como tudo o que era originário da terra do Tio Sam, tinha a «sarna» de um produto maldito: Avillez desligou-se do assunto: «Depois veio a revolução, a Coca-Cola era o símbolo do imperialismo e tudo ficou em águasde bacalhau.» Sérgio Geraldes Barba, proprietário da Socarmar, uma empresa nacionalizada, evoca o ambiente ideológico: «O Partido Comunista, nos seus jornais, atacava a Coca-Cola como a água suja do imperialismo.» Mas, em 1976, a conselho do seu filho Nuno, que estudava nos Estados Unidos, o expropriado Geraldes Barba decidiu candidatar-se a operador da introdução da Coca-Cola em Portugal. Os seus contactos levaram-no à filial de Madrid, da qual recebeu luz verde: restava mostrar do que era capaz. Formou, então, uma empresa luso-suíça e ultrapassou os entraves burocráticos postos pelos Ministérios da Saúde quanto à cafeína. Em 1977, ao cabo de tantas frustrações, a Coca-Cola instalou finalmente em Portugaluma unidade industrial. O primeiro-ministro era, então, Mário Soares, colaborador do «general Coca-Cola». É caso para se dizer que cá se fazem cá se bebem. As latas da Coke, claro.
- Historiador. Tem em publicação, como investigador associado da Universidade de Columbia (Nova Iorque)
e bolseiro da Gulbenkian, a série de cinco livros Os Americanos e Portugal