Em Sichuan Ocidental o chá verde dá lugar ao chá de manteiga, as vacas dão lugar aos iaques, os extensos arrozais às gigantes montanhas, o mandarim ao tibetano, as bandeiras vermelhas aos cavalos de vento, o Comunismo ao Budismo Tibetano. A arquitetura mudou, as paisagens mudaram, as pessoas mudaram. Contudo a ausência de um novo visto no passaporte indicava-nos que continuávamos na China, ainda que todos os nossos sentidos nos dissessem o contrário.
Estávamos em Khan, uma das mais antigas províncias tibetanas, casa dos Khampas, etnia tibetana famosa pela sua ferocidade em campo de batalha.
Aqui a vida é dura, os rostos são ásperos, o presente é espinhoso e o futuro não é risonho. Aqui a modernidade chegou à força, arrombou a porta, embalada pelos comboios de camiões do exército chinês, com que nos cruzamos a cada par de horas nas poeirentas estradas. Aqui muitas das tradições são clandestinas e correm sério risco de extinção. Mas os corações são grandes, a hospitalidade é honesta e a espiritualidade é omnipresente.
Coyote, nome de guerra do nosso motorista, é um deles. Já fez um pouco de tudo na vida, e poucos conhecem melhor Khan do que ele. Coyote trata o Planalto Tibetano por tu, dança ao som da passagem do vento cortante pelas coloridas bandeiras de oração, corre com os iaques pelos verdejantes vales, perde-se a cavalo pelas coloridas montanhas, nada nas águas geladas dos rios, silencia-se perante os templos, curva-se perante os monges, delicia-se com a comida caseira preparada e vendida por senhoras de pele curtida, nunca deixa de saudar as dezenas de pessoas, que a pé ou de mota, se cruzam connosco.
Coyote é um verdadeiro filho da montanha, um espírito livre e indomável, senhor de uma energia contagiante, de uma simplicidade cativante e de uma generosidade comovente.
A 4000 metros de altura custa a respirar, mais ainda quando as paisagens são de perder a respiração. E na sua companhia conhecemos alguns dos mais fantásticos recantos de Khan. Passamos por pequenas aldeias tibetanas, como Tagong; andamos às compras pelo vibrante mercado tradicional da poeirenta vila de Ganzi; percorremos a pé e a cavalo extensas planícies povoadas por centenas de iaques; atravessamos rios sagrados por pontes suspensas; difundimos no ar os mantras, saídos das rodas de oração dos recônditos mosteiros; bebemos reconfortantes chás de manteiga sob o céu estrelado; comemos deliciosas iguarias e insuflamos a alma com o espírito tibetano. Não podíamos ter pedido melhor cicerone!
Alexandre e Anabela (VagaMundos)
Acompanhem-nos também em: