Entrar no Laos, de barco, não estava nos meus planos. De resto, quase nada do que me tem acontecido nesta viagem estava. Não planeei absolutamente nada. A única certeza que tinha era que a viagem ia começar e acabar no aeroporto de Banguecoque e sabia que países queria visitar.
Comigo trouxe apenas o guia do Vietname, país que me fascina há anos, sem qualquer razão em particular.
Preparava-me para sair de Banguecoque rumo ao norte da Tailândia quando, a caminho da estação de autocarros, fui abordado por um senhor sentado numa mesa, cujo tampo mal se via, de tal forma estava coberto de mapas. Aconselhou-me a consultar uma agência de viagens para não perder a oportunidade de conhecer alguns sítios verdadeiramente fascinantes. Cálculo que fosse um angariador de turistas para a agência. Resolvi seguir o seu conselho.
Depois de uma boa meia hora a regatear o preço para um passeio de dois dias no Laos, pelo rio Mekong, percebendo que estávamos muito longe de chegar a um consenso, a senhora da agência de viagens, irritada, aconselhou-me a voltar ao meu país para trabalhar e regressar com mais dinheiro. “Vou fazer isso, então”, respondi calmamente antes da sair.
Enquanto esperava pelo condutor do tuk tuk, a senhora veio ter comigo e apresentou-me um valor que, embora ainda acima do meu orçamento, era quase um terço daquela que ela tinha dito ser o preço mais baixo, que “já quase nem dá lucro à agência”. Aceitei. A expressão OK funciona como gasolina no motor dos vendedores. Mais do que isso, é um verdadeiro turbo.
Não estaria agora a escrever este texto, sentado à beira do rio Mekong, com o sol a pôr-se e com as formigas a fazer do meu corpo uma autoestrada se não tivesse aceite. Também não tinha conhecido os viajantes que têm sido a minha companhia nos últimos dias.
O primeiro dia de passeio de barco pelo Mekong estava quase a ser hipnotizante até um grupo de chilenos, com uma valente bebedeira, me despertar da letargia, com berros e canções (embora berrar e cantar seja quase a mesma coisa, quando o álcool é o único instrumento) e outras atividades – todas ruidosas – normais em grupos alcoolizados.
Uma das descrições mais comuns na literatura de viagens é a dos rios que “serpenteiam”. Olhando para o mapa, o Mekong encaixa nesta descrição mas, pela beleza cénica dos montes verdes que se repetem, sem nunca se tornarem monótonos, diria que o Mekong não serpenteia, caracoliza. Apesar de ter uma corrente forte, as águas castanhas do Mekong quase não parecem mexer-se, tal o encanto da paisagem. Diria que se assiste a uma redundância verdejante.
Depois de passar a noite num hotel a caminho, o segundo dia começou com uma chuva fortíssima, que a parou á hora que o rapaz do hotel, o Holand (duvido que se escreva assim, mas é como soa) preconizou: às 9.30h.
Mais da mesma redundância verdejante, sem que as expressões “mais do mesmo” e “redundância” signifiquem uma repetição monótona. Grande feito do rio Mekong, este de contrariar as leis da gramática.
O bónus destas cerca de cinco horas de passeio, o mesmo que demorou no primeiro dia, foi ver um grupo de elefantes tomar banho – e agora podia dizer “alegremente”, “aliviados”, “satisfeitos” e tantas outras expressões embelezadoras, mas não sei analisar as reações dos elefantes nem, muito menos ver como se sentem através da sua expressão facial – para quem se perdeu no meio deste aparte gigante – curiosa descrição para o aparte, já que estamos a falar de elefantes (e com isto fiz mais um aparte) – dizia eu que o bónus do dia foi ver uns elefantes a banhos no rio Mekong.
Foram dois dias a bordo de um barco que devia muito, para não dizer tudo, ao conforto, com uma paisagem que se repetia, exceção feita a algumas casas à beira-rio ou nos montes, mas que não tiveram nada de incómodos e, muito menos de monótonos